Pastilhas de um Carapuceiro - Réquiem para o amor de muito ou samba do epitáfio

Por Xico Sá

Nem fomos ao mar para ver o nosso amor morrer na praia. Nosso amor morreu engarrafado, na correria do povo para deixar São Paulo, babilônicos corações de fumaça a 10 km por hora. Nosso amor largou o automóvel e saiu caminhando, melancólico, entre motoboys e miragens, crepúsculo cubatanesco a escorrer do nariz.

Stop, parou o nosso amor ou é apenas um sinal fechado?

Minutos antes, nosso amor foi visto saindo do Paraíso e saltando na Consolação, a linha do último metrô de todos os amores expressos. Aí nosso amor, puto da vida, bebeu cachaça, cheirou cola, acendeu o cachimbo na Cracolândia, perdeu os óculos, as lentes de contato, pegou um papelote de quinta na Augusta, gastou a pele, fez besteiras e vomitou bem muito o foie-gras dos nossos próprios fígados. Nosso amor não conseguiu dormir direito nesse dia, zumbizou geral o malaco, e não foi apenas o barulho da construção mais demorada do que a catedral de Colônia, a Transamazônica ou o castelo de Kafka.

Nosso amor só pode estar tirando onda da nossa cara, é o tipo do amor que sabe rir da nossa desgraça, um amor de rapariga da última luz vermelha do fim do mundo, um amor da porra, que não respeita as leis do cosmo, nosso amor é uma ficção barata, café puro, pão na chapa, nosso amor nem esfriou ainda o cadáver, acabou no auge, como a carreira de Pelé, como os Beatles, nosso amor era sábio.

E como os amores reencarnam, muito cuidado, senhoras e senhores, nosso amor pode estar rondando ai a sua área. Prendam o infeliz criminoso, onde está a polícia que não vê uma coisa dessas, tio Nelson? Nosso amor, para ser mais exato, acabou hoje, em plena sexta da paixão: sentimento que costuma alimentar os inícios, jamais os finais. Vai entender esse troço, nossos dialéticos corazones batiam o bumbo das contradições. O fato, amigo, é que nosso amor era mais bacana do que nós dois juntos!


Xico Sá, escritor e jornalista, colunista da Folha, autor de “Chabadabadá – As Aventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha” e mais 10 livros. Na TV, participa do programa “Saia Justa” no canal GNT. E agora é parceiro nosso aqui pelas bandas do Pastilhas. (Texto extraído do blog O carapuceiro)
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