Entrevista - A arte e as ideias de Apo Fousek

Por Marcelo Mendez

Apo Fousek é um artista plástico de destaque em sua área e chama atenção pelos mais diversos motivos. Com uma linguagem urbana totalmente diferenciada de absolutamente de tudo que se tem por aí, com uma obra voltada para natureza, meio ambiente e qualidade de vida, Apo tem proposto reflexões sobre o modo de vida o homem urbano moderno. Para falar disso e de mais outras coisas, chamei ele aqui pra posa no Pastilhas Coloridas. O resultado de nosso cunversê segue ai embaixo...

O seu caminho nas Artes Plásticas é um pouco diferente do que se tem como via de regra na área. Trabalhos com skate, marcas, uma linguagem urbana e pop que entra no grande liquidificador de referencias suas como artista plastico. Você acha que essa sua trajetória ajudou na aceitação que sua obra tem junto ao público, ao novo público que passa a se interessar por artes através de seu trabalho? No começo foi difícil para você? Ainda rola um elitismo na hora se pensar em artes por aqui?

Bom, eu estudei no Novo Horizonte, uma escola alternativa na Vila Madalena e na qual, quem vivenciou aquilo na década de 1980, pode afirmar que não era uma escola bem dizer, mas uma experiência de vida. Os pais participavam da construção de um novo saber junto aos professores e isto gerou uma maneira de ensinar única. Tanto é que depois que a escola acabou, as pessoas nunca mais participaram de nada igual.

Nesta escola as principais matérias eram praticamente artes plásticas, marcenaria, teatro, música, cultivo de hortas e o desenvolvimento de uma sensibilidade que fez com que aqueles pequenos seres, levassem para o resto de suas vidas uma maneira de pensar única. Devo o que sou a este projeto e aos meus pais por me inserirem nele.

O que as pessoas adoram dizer atualmente como DIY - Do it yourself ou, “faça você mesmo”, estava intrinsecamente ligado a cultura da escola e isto me influenciou para sempre porque o tempo todo nos “obrigavam” a por em prática tudo o que aprendíamos. Então construíamos nossos instrumentos, nossas rampas de skate e andávamos dentro da escola. Aprendíamos a ler, a escrever e ao mesmo tempo a fazer um livro. Era tudo elevado a máxima potência e com tanta energia, tanta sensibilidade e romantismo, que vejo que falta hoje em dia para estas novas gerações que estão se formando.

Então desde pequeno eu vivi e encarei minha vida como uma grandíssima experiência. Quando ganhei minha primeira prancha e que era de isopor, eu não me contentei e a pintei, colei adesivos das marcas da época e a plastifiquei com Contact para parecer uma prancha de verdade. Depois foi com um skate velho Nakano que reformei inteiro para deixar do meu jeito; com 10 anos eu estava fazendo adesivos para minha primeira marca, a Mad Surf; quando não tinha grana para comprar cds, eu customizava capinhas de fitas K7; cheguei a escolher tecidos e desenhar minhas bermudas que minha avó fazia.


Tudo isto para mim é arte. O fazer, projetar, se inspirar e inspirar as pessoas, viver a vida intensamente e de maneira verdadeira, para mim é estar fazendo arte. Eu não consigo separar a minha vida da minha arte. Então eu digo que venho produzindo a minha arte a vida inteira e em diferentes fases e situações. Na fase do skate eu tive minhas marcas e uma delas - a Fox Force Five - marcou a década de 1990 no skate brasileiro; pude dar uma cara nova para uma revista conceituada de surf em 2005; fui o primeiro artista a ter uma coleção assinada por uma marca de surf e posteriormente de skate; enfim, a minha vida é feita de arte e acredito que isto se transparece verdadeiramente para o meu trabalho. E quando há verdade, há amor e com isto as pessoas sentem-se atraídas.

Respondendo se o começo foi difícil… que começo? eu começo e recomeço o tempo todo e mais do que nunca, as pessoas terão que se reinventar para viver estes novos tempos, em que existe uma quantidade gigante de informação, excesso de lixo, muita gente se intitulando artista, designer, jornalista etc… e se você achar que chegou no ápice e ou se acomodar, aí te digo que é o começo da decadência. Então encaro como se estivesse recomeçando o tempo todo para me superar cada vez mais.

Se rola elitismo na hora de pensar arte no Brasil? Elitismo rola em TUDO no Brasil. Desde o carro que você usa, o bairro que você mora, os lugares que você frequenta, o cineminha cool que você vai, as livrarias, agora até as padarias de “luxo”. Acho isto tudo uma grande estupidez no Brasil, um país que vive de imagem e só. E nas artes… não é diferente…
Mesmo tendo seu trabalho em perfeita sintonia com o que há de mais urbano, mais cosmopolita nos dias atuais, você é um artista que se alimenta de elementos da natureza, abordando temas como qualidade de vida e gerando uma reflexão bem bacana. É difícil manter essa diretriz para sua obra morando em São Paulo onde cada vez mais somem árvores das ruas, cada dia que passa o ar fica mais podre... Porque as pessoas dissociam as duas coisas (Metrópole e Meio Ambiente...)? Falta apenas conscientização para um bom convívio com meio ambiental ou além disso, o povão é mal informado?

Para responder esta questão, acredito que seja importante eu pontuar dois momentos importantes de minha vida: primeiro quando larguei tudo e fui morar no Litoral Norte de São Paulo, no meio do mato. Ali pude ver e sentir uma outra realidade: a realidade das pessoas que vivem com quase nada e não diria que são completamente felizes, mas ao menos mais equilibradas e com essência, e também que a natureza é um berço sagrado que nos ensina todos os dias, mas que infelizmente o homem com sua arrogância não a escuta.

Quando você se dispõe a vivenciar uma experiência como esta, de se entregar para si mesmo, enfrentando o silêncio que uma grande metrópole não tem, se aprofundar nos seus medos e frustrações, você passa a se autoconhecer melhor e a entender que tem uma missão, um ou mais papéis para cumprir e exercer aqui neste mundo. Isto gera autoconfiança e uma força que pode ser usada para o bem, inimaginável.

Observo as pessoas em São Paulo numa angústia, euforia e alienação para comprar, comprar, comprar e ou ir em todos os eventos, conhecer todos os restaurantes, assistir a todos os filmes, tomar todas, “pegar” todas(os), mas se esquecem e, na maioria das vezes nem sabem de fato quem são e o compromisso maior que tem aqui neste Mundo. Eu acredito que viemos nesta vida para nos aperfeiçoarmos e contribuir para a melhoria do Planeta. Se você acha que é só curtição, pode ter certeza que a vida te pegará mais cedo ou mais tarde ali na esquina. Acho que é uma Lei Divina isto, pelo menos pra mim.

O segundo momento foi quando decidi morar em San Francisco - Califórnia e vi que lá as pessoas de verdade tem e sabem o que é qualidade de vida. Lá pude sentir que as pessoas realmente se preocupam com as questões ambientais, sobretudo no Norte da Califórnia, onde há uma cultura fortíssima dos orgânicos, uma cultura alternativa riquíssima e que nos mostra que é possível ser o que você quiser e também viver em harmonia com o todo. Já no Brasil eu sinto que há uma necessidade de autoafirmação das pessoas e uma mania de viver de imagem e aparência que me incomoda muito, porque as pessoas tentam ser aquilo que elas não são só para se sentirem cool.

Aqui no Brasil eu vejo coisas absurdas como umas moças ricas que se dizem ecofriendly de tudo e andam nos seus SUVs que poluem muito. Vejo o cara que bebe 400 cervejas no fim de semana, põe para reciclar as latinhas e acredita que está contribuindo para o Planeta, só que se esquece que o churrasco que ele comeu com os amigos contribuem diretamente para o desmatamento e destruição da Terra. Então posso dizer sim, que a ignorância impera no Brasil e em todos os níveis e camadas sociais.

Não adianta ter grana e achar que é bacana ir ao supermercado usando ecobag e não ensinar os filhos a não jogar lixo pela janela dos carros. É um trabalho de base que não existe no Brasil e não consigo visualizar sendo realizado, porque infelizmente neste país é tudo uma grande maquiagem. Por mais que existam pessoas incríveis e dispostas a mudar, há uma máquina poderosa tentando impor o ritmo e as regras. Acredito que o meu papel como artista seja gerar reflexões nas pessoas, expandindo suas mentes e olhares para estas e outras questões. E não só reflexões, mas sim ações efetivas.
Entendo que a urbanidade do seu trabalho vem do fato de sua obra abordar temas e gerar discussões em harmonia com o que se tem do cotidiano urbano das metrópoles e adjacências. No entanto, o conceito “Cultura de Rua” é o que mais se usa quando tentam “definir” seu trabalho. Você entende que isso é uma certa preguiça da critica especializada, viciada em rótulos? Falta pesquisa ai? Como é sua relação com essa galera?

Sinto cada vez mais a necessidade das pessoas se rotularem, tentarem fazer parte de um grupo, uma tribo, se autoafirmarem para serem alguma coisa. Isto tudo ligo a esta “Sociedade do Espetáculo” (tema e título de livros), onde as pessoas precisam fazer sucesso e aparecer a todo custo. Pra mim isto é coisa de gente insegura.

Eu sempre fui um cara que por mais que tivesse um estilo de vida muito bem definido, procurei e procuro transitar por todos os meios. Quando vivenciava o skate 24 hs por dia, também me preocupava em me expressar bem para um empresário. Isto me ajudou muito a ter este trânsito livre entre vários meios e a ser mais cuidadoso com os famosos preconceitos. Converso com punk numa manhã, escuto o morador de rua de tarde e janto com uma diplomata de noite. Quem está disposto a se livrar de preconceitos, viverá a vida de verdade.

Agora eu pergunto: como que uma pessoa assim aceitará que sua arte seja chamada de “Cultura de Rua” e ou “Arte Urbana”? O que eu faço é contemporâneo acima de tudo e não aceito que me rotulem. Outro exemplo: em janeiro de 2011, fiz uma individual na Galeria Gravura Brasileira. O tema desta minha exposição era o surf ligado a música. Aí teve gente que veio me dizer: bacana esta tua surf art. E eu tinha que dizer: não é surf art. É arte contemporânea. E ponto.

Então é a mesma coisa da questão anterior: falta informação, falta vontade, existe preguiça, existe “Maria vai com as outras” (muitas outras), mas o principal: falta a base que não tiveram na escola e nem em casa. Fui entrevistado por um “ser cool” e o cara não sabia nem pronunciar nomes básicos e se articular bem numa conversa simples. O cara é super badalado por todos os cantos e pela galera cool, mas quando você pega a pessoa na sua essência, percebe que há um vazio. Um vazio que a mídia procura preencher com imagens, ruídos e mentiras.
Aqui no Grande ABC há uma histórica ligação com skate e cultura de rua e observo que isso, aproximou as pessoas antenadas que vivem nessa cena à sua obra ou seja, Acabei de te perguntar com relação à critica mas, quando rola uma identificação por esse mesmo viés vindo do público de maneira natural você vê isso de maneira positiva ou ainda assim te incomoda?

Vamos colocar assim: se eu vivo num país onde há pouco acesso a educação e além disto há preguiça das pessoas em buscar informação, além de uma grande influência por parte de uma mídia que cria um mundo fantasioso, eu preciso entender que o cara que está ali admirando minha arte, pode ser influenciado por uma série de fatores que talvez possam interferir de maneira negativa sobre o meu trabalho.

O que quero dizer é que existe uma máquina trabalhando pelo interesse de determinados grupos e pessoas e que isto vem influenciando cada vez mais a maneira das pessoas pensarem, se vestirem, se portarem etc. E se a informação que chega para as pessoas, sobretudo o público jovem que é o mais fácil de influenciar, é de origem duvidosa, como eu posso querer que estas pessoas entendam onde e como a minha arte se enquadra, além do que quero passar!

Digo isto porque principalmente neste meio de “Cultura de Rua” as pessoas confundem estar na moda, usar o tênis cool, a marca cool, o cabelo cool etc, com CULTURA. Cultura se adquire estudando, se informando, pesquisando, buscando… e tendo a humildade de reconhecer que nunca é demais. Conhecimento nunca é demais e acredito que seja o único bem que ninguém pode nos tirar.

Agora com tudo isto, o fato é que eu fico muito feliz e tenho a sensibilidade para captar quando uma pessoa está dizendo a verdade sobre o meu trabalho. Pode até falar uma besteira, mas quando olho nos olhos e sinto verdade, todas os paradigmas, padrões de mercado, conceitos e preconceitos, vem abaixo e sinto que estou cumprindo meu papel com o meu trabalho. Isto é o que mais importa para mim.
Para o ano de 2011 o que você tem programado como projeto? Algo em vista por aqui, ou lá fora?

Comecei 2011 já com duas individuais importantes, uma na conceituada galeria Gravura Brasileira e a outra uma retrospectiva na CAIXA Cultural de Brasília, expondo desde desenhos dos 3 anos de idade a produção atual. Então está sendo apresentado 33 anos de produção, o que para um cara de 36 anos, acredito ser muito. Devo isto a minha família que desde sempre teve o cuidado em documentar cuidadosamente toda minha produção.

Eu busco sempre trabalhar em diversos projetos simultaneamente e apesar de gostar muito de estar no atelier, eu procuro me envolver em projetos que me forcem a me superar. Posso dizer que não sou aquele artista que só pensa em pintar telas. Isto eu acho limitador, pelo menos pra mim.

Então eu posso estar pintando uma tela hoje e ao mesmo tempo desenvolvendo uma coleção para uma marca conceituada, ilustrando um livro infantil, projetando uma escultura, uma instalação e até mesmo desenvolvendo o conteúdo para uma nova mídia.

A minha arte representa a minha vida, a minha pessoa e isto significa dinamismo, expansão, superação e contribuição. Para as pessoas, para os animais, para a natureza… para a vida. Então se disser em qual projeto estou trabalhando neste momento, digo que nesta entrevista. Entende?

Apo, muito obrigado pela entrevista. Quando vier ao Grande Abc avise, que te pago uma Serramalte e um caldo de sururu no Bar Do Jabá, la na Travessa Diana...

Claro, estando por aí aceito o convite!
Marcelo Mendez é colaborador do Pastilhas Coloridas, filho da Dona Claudete, escritor, webmaster e um dos responsáveis pelo cineblog Bandidos do Cine Xangai.
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