Entrevista - Toda a densidade e voz de Cida Moreira

Por Marcelo Mendez

Pra quem é mais novo e ainda não conhece, Cida Moreira é uma cantora de origem nobre. Vem de uma carreira longa, marcada por ótimos trabalhos, tanto em música, seu ofício maior, como no teatro, cinema e afins. Trabalhou com o que há de melhor na música, já cantou pela európa quase toda e agora comemora 30 anos do lançamento de seu primeiro disco, o lendário "Summertime", um show que marcou lindamente o começo de sua vida pelo mundo do disco. Hoje em dia se vê às voltas com as nova geração, e divide o palco com artistas como Hélio Flanders, Forgotten boys, entre outros.

Para falar disso e de mais um bocado de coisas, chamei a moça para uma prosa aqui no Pastilhas Coloridas. Mas antes, aperte o play...

Cida Moreira (Back to back)

O começo de sua carreira no final dos anos 70, vem com a fase vigente das grandes gravadoras e majors da industria fonográfica que ditavam as regras no mercado e em quase todos os seguimentos da cultura pop nacional. Ainda assim você começa sua carreira musical sob o selo do LIRA PAULISTANA que também é um lugar lendário da cena cultural paulistana dos anos 80, ou seja, a independência na carreira musical sempre foi algo próximo a você? Isso dificultou o começo? Hoje em tempos de imediatismo, onde tudo é mais viável porém, tudo é muito mais descartável, qual a influencia que as “modernidades” tem em seu ritmo de trabalho, se é que tem alguma?

Comecei profissionalmente em 1977, fazendo um espetáculo chamado “A farsa da noiva bombardeada”, de Alcides nogueira, direção do grande Márcio Aurélio. Nosso primeiro trabalho realmente profissional montamos depois, “A banda de najas” do Alcides também, e logo em seguida fui convidada por Luiz Roberto Galizia pra fazer um espetáculo com o novíssimo grupo Ornitorrinco, que foi “O teatro do ornitorrinco canta Brecht e Weill”, que estreou em agosto de 77 no porão do Teatro Oficina. Foi o primeiro espetáculo cantado de Brecht no Brasil, um sucesso estrondoso que nos levou pro Brasil inteiro, e pro Rio, para a montagem original da “Ópera do Malandro”, de Chico Buarque, com direção de Luiz Antônio Martinez Corrêa. Um começo espetacular de fato, que me colocou parâmetros estéticos que conjugo ate hoje. Em 80 resolvi a convite do Possi fazer o Summertime, em São Paulo, que foi outro estouro. Meu primeiro trabalho como cantora, que me levou ao Tico Terpins, que resolveu gravar em LP, numa noite memorável no Lira,e que saiu pelo selo Áudio Patrulha, e não Lira.

A independência SEMPRE dificultou e continua dificultando, mas foi uma opção, pois sou a dona do meu trabalho, e faço até hoje o que dá na telha, para o bem e para o mal. Hoje virou moda falar mal do descartável, mas ele sempre existiu, em menor numero. As influencias da modernidade são muitas e boas, para isso conto com uma formação cultural, pessoal e musical muito solida que me faz ser como sou, sem grandes dramas, e sem me achar uma injustiçada, coisa muito em moda entre artistas.

Em 1981 você grava o seu discaaaaaçoooo SUMMERTIME com clássicos do jazz e do blues, versões antológicas e uma interpretação digna de uma Lena Horn, de uma Dinah Washington. De lá em diante, essa gravação ao vivo no Lira Paulistana virou uma coisa mítica, um momento especialíssimo. Sou da geração que apanhou para conseguir ouvir esse disco que virou uma baita raridade disputada a tapa nos sebos. A que você atribui toda essa áurea em torno do seu disco de estreia?

Summertime e uma catarse, um momento de alta emoção e síntese geracional, tudo que pensava ser naquele momento foi ali colocado de forma imperfeita mas absolutamente verdadeira. Daí a mística. Um momento impar em toda minha vida. A aura é porque ele tem uma desconcertante e despudorada verdade pessoal, me sentia uma Janis, e continuo me sentindo ate hoje, gloriosamente.

Eu vi um show seu cantando Tom Waits, para depois te aplaudir de pé. Você além desse show já gravou lindamente outros caras como Paulinho Da Viola, Chico Buarque, Dolores Duran, Cartola. A versatilidade que tu tens, a facilidade de interpretação de todas essas obras, pode-se dizer que vem de sua experiência como atriz, com teatro e com outras linguagens e referências que até vão além da musica? Como é isso para você?

Sou maluca, gosto de MUITA coisa e me sinto bem cantando tudo isso a que você se referiu e muito mais. Não sou eclética, sou esteticamente bem formada. Cresci ouvindo de tudo que era bom, e assim continuo. Só isso.

Há hoje em São Paulo uma cena musical ativa, como novos nomes novas cantoras, bandas e músicos. Você está completamente inserida nesse contexto, tocando em lugares no Studio SP, dividindo palco com Forgotten Boys, Helio Flanders e outros. Como você observa essa nova forma das coisas acontecerem? A cena artística hoje facilita mais os trabalhos? Você se sente bem nesse contexto?

Me sinto ÓTIMA na cena atual, tirando o PAULISTANA, please! Uma geração bacana de artistas mais doces, estudados, sem o ranço e a maldade da minha geração, chatérrima. Sou fã de muitos e feliz por estar com eles, que tem em uma referência de liberdade artística e pessoal.

Nesse ano de 2011 como estão os seus projetos? Você tem shows marcados, ideias novas, pensa em gravar novo disco, ou ficará a divulgar o seu “Dama Indigna Joia Moderna”? A quantas andam seus passos?

Tem o “Dama indigna...” viagens, muitos shows e segredos muito bem guardados. A “Dama indigna...” e um segundo “Summertime” que fiz pra mim 30 anos depois. O futuro a Deus pertence! Alias, agora o “Dama...” é só meu, independente, e já saiu a segunda tiragem.

Cida Moreira (Summertime)

Marcelo Mendez é colaborador do Pastilhas Coloridas, filho da Dona Claudete, escritor, webmaster e um dos responsáveis pelo cineblog Bandidos do Cine Xangai.
Share: