Por trás da tela - Dimensão de um personagem

Por Bruno Módolo | 

Dar dimensão a um personagem, falando de maneira simplificada, é criar uma contradição para sua personalidade. Inventar um defeito como muita gente diz. Só que esse defeito não é necessariamente físico ou simplesmente uma atitude maldosa, por exemplo.

Muita gente explicaria dimensão da seguinte forma: um policial honesto mas com problema de alcoolismo. Uma bela médica com uma cicatriz que a incomoda. Tornar o personagem interessante é muito mais do que estabelecer essas diferenças superficiais. A contradição ou defeito precisa estar diretamente relacionado a personalidade, às crenças do próprio personagem. Ou seja, tem que estar não em uma mas em todas as atitudes do personagem, numa combinação contraditória.

Uma mulher casada, excelente mãe e esposa, que leva uma vida bastante correta. Porém ela tem um amante. Isso por si não basta para criar dimensão. Se dissermos que ela não aprova seu próprio caso e o mantém como fuga, como emoção adicional à sua perfeita rotina monótona, começamos a dar uma dimensão interessante para essa mulher. Ela sempre quis uma vida regrada, uma família estruturada, só que alguma coisa dentro dela pedia uma aventura. Ela não tem coragem e nem quer largar tudo o que sempre sonhou, por isso se culpa pela traição, mas se não fizer isso se sentirá incompleta. Podemos não concordar com as atitudes dessa mulher, mas entendemos o conflito interno que ela carrega e ainda torcemos para que resolva a bagunça que criou em sua vida. A contradição entre lutar por uma vida correta e o desejo de uma aventura para preencher um vazio existencial pode tornar esse personagem interessante. É mais ou menos isso que temos no filme As Pontes de Madison, especificamente na personagem Francesca Johnson vivida por Meryl Streep.

O outro exemplo é de um serial killer. Para torná-lo interessante muitos poderiam estabelecer que ele mata a noite e de dia faz boas ações. Não é bem isso. Esse serial killer pode matar suas vítimas com crueldade e sem compaixão somente porque elas cruzaram seu caminho. No fundo ele querer uma vida tranqüila, bem vivida, só que alguém entra em seu dia-a-dia e o incomoda, assim, o desejo de matar, o prazer por fazer mais uma vitima cresce de tal maneira que ele age. A contradição entre querer uma vida normal e os assassinatos pode tornar o personagem tão interessante que até vibramos com suas atitudes. É o caso do Dr. Hannibal Lecter, interpretado por Anthony Hopkins. Um senhor tão inteligente, tão bon vivan que torcemos para ele ir preso porque ninguém é a favor de assassinatos, mas o compreendemos e o idolatramos a cada morte.

Se levarmos para a vida real, ninguém fica mais interessante porque tem o cabelo espetado ou vira um vilão por uma única ação. Assim como na vida real, a aparência não deve importar, nem mesmo uma só atitude deve valer para julgar as pessoas. Por isso um personagem tem que revelar o que está em sua mente e quanto mais confusa for a mente, mais interessante será esse personagem. E é também por isso que ser uma pessoa complexa é muito mais do que ser apenas diferente do resto da sociedade.

Bruno R. Módolo é roteirista e sócio da Garoa Fina, um estúdio dedicado ao desenvolvimento de roteiros e histórias para TV, Cinema e Publicidade. faledoartigo@garoafina.com.br
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