Lipstick boderline e o futebol em concordata. Porque a rebeldia é doce...

Por Marcelo Mendez

Dando uma volta pela vida, vendo as coisas do mundo, acompanhado de meu guarda chuva xadrez azul pela Avenida Paulista afora, assoviava um possível Cannonball Adderley e pensava na vida quando uma frase me fulminou a mente e tomou meu pensamento de assalto:

Todo rebelde é um doce! Um meigo! Um amor.

Simples assim. Para cada Clayde Barrown tem uma Bonnie Parker. Para cada Gainsbourgh uma Jane Birkin. Para cada Iggy Pop uma Candy. Para o David Bailey, uma Jean Shrimpton. Para cada Marcelo, flores... Bem. Tomado então dessas elucubrações sentei para escrever sobre os episódios da Ludopédia nossa, com a ideia de manter comigo aqui a velha, inseparável, linda e santa fúria, mas, sem esquecer caro leitor, que eu também sou um doce. Vamos lá.

Todo mundo já sabe do que houve na Bolívia. Desgraçadamente, um sinalizador arremessado acertou o globo ocular de um menino de 14 anos e o levou a morte. Nada, absolutamente que se diga, ou até mesmo que se faça vai recuperar isso. Mas o papel do Cronista é relatar aquilo que seus olhos enxergam e principalmente (Pelo menos no meu caso...) do que o coração sente.

Eu falei aqui semana passada do bundamolismo operante e ululante que toma conta do mundo e, como o futebol não é uma ilha isolada do resto do mundo, obviamente que ela também sofre reflexos sociais desse status quo que se faz vigente goela abaixo nossa. Muitas coisas são feitas cretinamente pra se caretear e se padronizar tudo que parece puro, todo sentimento que é pleno. E muitas são as formas que se usa para isso. Uma delas é mexer na relação que os clubes querem com os seus torcedores.

Sumiu o torcedor de arquibancada. Aquele cara que fazia um corre na semana para descolar uma grana pra arquibancada, para o lanche e a cerveja não pode mais ir para o Estádio. Em seu lugar agora tem o “Sócio-Torcedor”. Uma ótima iniciativa, diga-se. Os clubes criam uma sociedade de afinidade, onde se compra carnês de jogos e a frequência do sujeito vai dando a ele uma gama de vantagens na aquisição do seu carnê. Uma medida que vem mantendo para o Corinthians, por exemplo, uma média de 28 mil pagantes por jogo no Pacaembu. A questão é; Quem é esse torcedor?

O que motiva esse sujeito a ir a um estádio? Será mesmo a paixão pelo seu clube? E a pergunta mor e fundamental daqui:

Esse torcedor... Esse, do carnê... Esse cara foi em uma quarta-feira à noite, para Oruru na Bolívia ver uma partida de futebol pela primeira rodada da Libertadores da América?!? Será que o sujeito, mesmo esse ae, com poder aquisitivo bem maior que o dito torcedor comum, será que esse ae foi até lá ver esse jogo? Bom, se ele não foi então quem estava la na Bolívia?

Oras... No mundo louco e paralelo da megalomania do futebol, agora tem uma figura que vai ganhando espaço; O Torcedor Profissional. E ae cabe a ressalva; Isso independe da questão clubistica, essa é uma premissa que acontece em todos os clubes no Brasil.

É aquele cara que conta la com umas vantagens, que tem uma relação estranha com os dirigentes, que ganha la uns ingressos, umas passagens e em alguns casos, faz disso seu meio de vida até. Eu não sei se esse é o caso do sujeito que viajou até a Bolívia no meio de semana, para
ver uma partida de futebol, com um raio de um sinalizador naval na bagagem para tacar contra a torcida adversária. Mas fica aqui a pergunta:

Quem foi até a Bolívia ver esse jogo?

Bem... Ae vem as cartolagens...

A Conmebol é uma várzea. Uma associação de futebol que se notabiliza pela desordem, pela bagunça, pelo escárnio, por tudo que não cabe mais em um mundo que tenta desesperadamente melhorar. Uma entidade que é incapaz de organizar um torneio que é seu melhor produto, que não consegue disciplinar uma competição para poder vender uma virilidade latina brocha, decadente, que não se perpetua mais, nem sequer em uma Bodega de La Boca, ou em um Bar da Avenida São João. Um arquétipo de “macheza latina” que é tosca, grosseira, vulgar e burra. Uma estigmatização pobre e tola.

“Ahhh veja la que é assim mesmo; Os escudos protegem o sujeito na hora de bater o escanteio”. - O cacete! Não tem que ser assim! Não é possível que ninguém entenda que essas coisas, que acabar. É só ver os exemplos que se tem pelo mundo.

Eu era moleque, tinha la meus 15 anos quando eu rolou a final entre Juventus x Liverpool no Estádio de Heysel em Bruxelas. Na ocasião, a gente esperou que 39 corpos fossem literalmente tirados do campo para a transmissão começar e o jogo rolar e pasmem; Aconteceu!

A revolta que isso causou gerou punições graves do Governo Britânico sobre a liga de futebol Inglesa e em consequência disso a UEFA puniu todos os clubes ingleses com 5 anos de exclusão de todas as competições europeias. Um prejuízo que levou o futebol inglês a bancarrota para depois, renascer organizado na Premier League que é hoje a liga de futebol mais rica do mundo. Por aqui, eu já sei que o Corinthians vai recorrer da punição de jogar de portões fechados porque diz que seu “sócio-torcedor” não merece a punição e blá, blá,blá. Pois é...

Caro leitor, vos digo que sou um doce. Que na verdade eu sou um amor!Creio, portanto que isso não vai acontecer, que não é possível que esse tipo de interesse não sobreponha à questão moral da situação toda. Quero crer que a administração ae do Corinthians vai ter um sopro de dignidade, vai recuar dessa decisão e vai acatar a decisão não por bondade nem nada disso, mas por decência. E ae, quem sabe, daqui uns anos as coisas melhorem um pouco de fato. Até la não sei...

Sigo assoviando um jazz atravessado...

Marcelo Mendez é colaborador do Pastilhas Coloridas, filho da Dona Claudete, escritor e um dos responsáveis pelo cineblog Bandidos do Cine Xangai.
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