Das coisas de Palmeiras, Santos e umas de amor. O futebol segundo os olhos dela...

Por Marcelo Mendez

Chegou linda num sábado a noite, em um improvável Shopping. Uma hora e dez minutos atrasada. Porque há um certo charme no atraso feminino e um encanto nos homens que esperam. Valeu a pena...

Me abriu um sorriso capaz de resolver a questão da Palestina, vestida com um vestidinho preto, uma echarpe da mesma cor e mais o seu jeitinho lindo... Carinha meio Regina Spektor, olhinhos pretos a lá Anouike Aimée:

Ela, a Godiva!

Lady Vestal no Abc paulista, passos rápidos de Emanulle Béart, feliz, caminhando forte, reclamando que eu não dei a ela tempo de fazer as unhas das suas mãozinhas afrancesadas, lindamente atrapalhada em busca de uma tal carteirinha de estudantes, dentro de uma bolsa cheia de mistérios e cartões. “Não precisa, já comprei as entradas do Cinema”... Alívio e me disse: “Ah, então a gente pode comer alguma coisa? To morta de fome...”

Ela, a Supersônica!

Sentou em um daqueles cafés sem classe do shopping e de pronto deu dignidade ao espaço. Com elegância de Charlize Theron, tomou café com chantili, comeu pão de queijo e bebeu um suco de laranja. Me falou da França, da Champs-Élysées, dos rolês por Buenos Aires, do tédio na Serra do Barato, do quanto gosta do Michael Haneke, esculachou o François Ozon, contou que do amor não espera tanto, apenas “colos esporádicos e sinceros, riu liricamente e fomos para o filme...

Ela, a Viciante!

O Lado Bom Da Vida... Depois do filme falei pra ela que o que tem de bom poderia ser mais simples, que a vida e as coisas do amor talvez não devessem ser tão complexas e então Ela me olhou com todo brilho de seus olhinhos pretos e me disse:

“Celo, amor é tentativa e erro...”

Hummm... Pois é; “Tentativa e erro”. Gostei. Lembram que há semanas atrás escrevi aqui que todo rebelde é um amor? Um doce? Pois bem, eu também não fujo a essa regra então vou falar do tal Palmeiras 0x0 Santos dessa forma; Com amor. Oras...

Caro leitor que me acompanha aqui que fique claro uma coisa; Um erro que se comete na tentativa de amar é Santo. Pensando no que Ela me disse, eu chego à conclusão de que eu não veria mal algum no jogo modorrento de ontem se um dos times procurasse portanto um certo amor por essa coisa de nome Futebol e assim tentasse algo que escapasse à
burocracia de um resultado óbvio, acomodado, bundão. Mas não.

Palmeiras e Santos deram uma boa mostra ontem à tarde no Pacaembu, dos tempos incautos e truculentos que vivemos. Tempos em que a poesia mofa, em que o encanto se torna “desnecessário”, um tempo em que até para o estado pleno de paixão deve-se ter uma tal de “meta”. Tudo é de uma objetividade burra e pobre. Não há mais espaço para a tentativa de
nada que fuja ao padrão natural da cretinice fundamental ululante. Ae com o futebol as coisa vão nessa toada. Ela...

Quando se sente contrariada com algo, Ela balança o pescoço um pouquinho para o lado direito e sutilmente, pisca o olho esquerdo primeiro que o direito. Respira fundo com a paz de quem ouve Lou Donaldson tocando “Blues Walk” e arremata dizendo; “Não, eu não curto”.

Não curtiria ver o time do Palmeiras correndo demais, pensando de menos, trocando todo e qualquer arremedo de técnica por um pseudo esforço bretão, sofrendo horrores para jogar bola, perdendo gols por tropeçar em uma pobreza ludopédica plena. Seria fácil eu dizer aqui que “Isso acontece porque o Palmeiras ta cheio de desfalques”. Mas eu concordo com Ela quando ela me diz que “Ah, se fosse fácil o tempo inteiro nem teria tanta graça...” O Murici deveria entender isso...

Desde que chegou ao time de Vila Belmiro, o trabalho do bom treinador vive em suspeição. Há três temporadas que o Santos não consegue mais ter uma identidade. Nem to achando ruim que por lá haja uma dependência pelo Neymar, isso é bastante natural. O que acontece é
que, desde sua chegada o time sofreu uma endurecida, fortaleceu-se a marcação, o time se recheou de volantes e então, nada de leveza, nada do frescor dos abusados moleques de Dorival Junior em 2010, agora tudo é pesado, tenso, chato mesmo.

Sendo assim, to vendo que com toda minha compreensão, com todo meu amor, não daria mesmo para o jogo de ontem fugir do que se viu em campo. Eram dois times perdidos em uma tarde cinza, de um campeonato meio esquizofrênico e sem nada do que Ela, bem identificou como necessário para tentar ter um pouco de alegria na vida. Tudo muito chato, tudo muito previsível. As coisas precisam mudar.

O futebol precisa voltar a ter na vida das pessoas, o espaço lúdico que sempre teve, tarde após tarde de domingo. Precisa voltar a ser tema principal das resenhas de boteco na segunda-feira. Que o compromisso do trocedor seja, portanto com a alegria, com o encanto. Que os homens da ludopédia nacional, ouçam os toques que Ela dá, sorrindo, com uma luz que ilumina a cidade toda. Algo precisa ser feito.

Eu quero que os olhinhos pretos da minha amiga, voltem a brilhar...

Marcelo Mendez é colaborador do Pastilhas Coloridas, filho da Dona Claudete, escritor e um dos responsáveis pelo cineblog Bandidos do Cine Xangai.
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