Vejo aqui na linha do coração um amor mal-resolvido", soprou este mago que vos lê a sorte e sina. A mocinha, uma deusa balconista ali dos arredores da praça Patriarca/SP, assanhou as sobrancelhas. "Ele vai voltar pra mim?", avexou-se em saber.
"O infeliz te ama muito, mas é cheio de dúvidas e nove-horas, sabe como são essas coisas", tergiverso, na moral, enquanto afago, carinho esotérico com fundo levemente erótico, a mão direita -uma mão espadulada, conforme meus conhecimentos prévios de quiromancia.
A minha primeira consulente, na tenda improvisada no viaduto do Chá, sai comovida, esperançosa. Falar em amor mal-resolvido é golpe certeiro para qualquer alma penada. A consulta gratuita, "dumping" na concorrência cigana e baiana, atraiu os passantes. De graça, nego entra na fila até para ouvir o dia da morte.
O segundo foi chegando como quem chega do bar. Ótimo. Nada mais fácil do que prever o futuro de um ébrio. "Todo mundo crê em alguma coisa; eu, por exemplo, creio que vou tomar um uísque", recepciono a criatura, ajambrando um boutade de Grouxo Marx. "Me leva com vossa pessoa, então", soluça o rapaz, fino, bom humor. Com uma alma bêbada, melhor aplicar as cartas. Ele saca mais rápido e vai logo traçando o baralho, como se fôssemos disputar um truco. Começou a dar trabalho. Decido então o seu destino: dou-lhe umas moedas para tomar uma cerveja. Ele arreda, feliz, feliz...
Próximo. Outra rapariga em flor. Mão cônica. Lindos dedos. Passeio na linha da sua vida suavemente. Agora a esquerda, para ler o passado. A direita de novo. Ela apreensiva. O medo da mocinha diante do mago. "Você quer mesmo que eu diga tudo que li aqui, passado, presente, futuro?" Titubeou. "Será, meu Deus!?", diz. "Está nas suas mãos", amplifico o mistério, com voz de G.K.Chesterton. "É muita desgraça assim?", treme. "Nada mais, nada menos do que a vida, meu amor", amacio. "Me solta, melhor ir embora", ela tira a mão, que eu ainda acariciava...
As ciganas ao lado só miravam a minha banca de mercadorias e futuros. Uma delas, Carmem de Itapevi, olhos capitus, foi com a minha cara. "Vou te ensinar como se lê uma mão de verdade", disse, rindo do meu jeito leso e picareta. Decifrou num instante a minha sina amores "perros". "Você sabia que está muito próximo de encontrar a mulher da sua vida?", faz suspense. "Acabo de encontrar", gracejei. "Não brinque com o destino", ela atalha. "Verdade", insisti. "É uma moça que tu já conheces, e muito, com quem foi, acabou, voltou, foi de novo...” deu o serviço clicheroso, fudeu, passou. E um lance de búzios jamais abolirá o silêncio, como diz o velho Acaso com os dedos coçando para jogar novos dados.
Xico Sá, escritor e jornalista, colunista da Folha, autor de “Chabadabadá – As Aventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha” e mais 10 livros. Na TV, participa do programa “Saia Justa” no canal GNT. E agora é parceiro nosso aqui pelas bandas do Pastilhas. (Texto extraído do blog O carapuceiro)