Foi numa prosa molhada com a melhor bagaceira de Salinas, aquela que entorta as pernas e endireita a alma, que discorremos, este cronista vira-lata e o menino bom Cláudio Assis, sobre a capacidade que os cães têm de ouvir os homens.
Já reparou, meu caro, como tem sempre um miserável se queixando da vida para o seu cachorrinho magro debaixo do viaduto, dentro do seu barril à Diogenes ou debaixo da marquise da esquina?
Sim, doutor Freud, psicanálise de pobre é blasfemar para o cão amigo.
O danado não fala nada, mas nos ouve que é uma beleza, presta mais atenção do que uma sábia coruja.
Falamos por horas, infinitas sessões pelo custo de um osso, o mesmo da sopa, aquele clássico osso que desce e sobe na cordinha gasta da rotina em molambos.
A mulherzinha, também só o fiapo de gente, foi embora com outro vagabundo mais lascado ainda? É com o cachorro que desabafamos, não com um semelhante, que ainda é capaz de espalhar e fazer chacota do nosso humaníssimo chifre.
Tirávamos a onda e Assis, que é do ramo do tal cinema, já pensava na cena. Corta para um cabra macho chorando diante do seu humilde cãozinho sem plumas lá no Mercado do Pirajá, em Juazeiro, o maior ajuntamento de cachorro magro do universo.
Mas claro, meu velho, que o vira-lata também um dia nos dá alta, enche o saco, finge que estamos curadíssimos, saudáveis até os miolos, não suporta mais as repetidas malices.
Ora, ressaca somente a física, aquela capaz de aniquilar um homem depois dos seus 40 janeiros, aquele estadão das coisas que mais parece uma dengue sartreana, aquela falta das cortinas matinais da existência.
No mais, o cachorro é mais paciente do que qualquer figurão da nossa sociedade psicanalítica. Melhor até do que os grandes garçons, também exímios na arte de deixar as nossas dores virarem cera nas suas generosas oiças. O mestre Reginaldo Rossi que o diga.
Não, amiga, os poodles não servem, tampouco os cães treinados para a segurança patrimonial da empresa ou da família. Para efeitos terapêuticos, quanto mais vagabundo mais eficiente no divã canino. Pedigree só atrapalha, é o que concluímos naquela prosa movida pela água na qual nem os passarinhos de Salinas ou Januária arriscariam molhar o bico.
Xico Sá, escritor e jornalista, colunista da Folha, autor de “Chabadabadá – As Aventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha” e mais 10 livros. Na TV, participa do programa “Saia Justa” no canal GNT. E agora é parceiro nosso aqui pelas bandas do Pastilhas. (Texto extraído do blog O carapuceiro)