Das coisas entre Kurosawa, Messi e Neymar ou o onírico canto dos poetas no Jardim das Pessegueiras imortais...

Por Marcelo Mendez

Akira Kurosawa, mestre imortal do cinema, entra em campo aqui no Canela de Ferro pra falar das belezas ludopédicas...

Em 1991 eu corri para assistir Dreams, seu filme autobiográfico, com muita expectativa e todas elas se concretizaram. Saí de do Cine SESC dizendo na época o que ainda digo hoje, que qualquer um pode fazer cinema. Mas só Akira Kurosawa fez Dreams. Um filme que me levou as lágrimas, me emocionando pela beleza. Um homem que consegue realizar uma obra dessas é um sujeito evoluído. A coisa é dividida em vários sonhos:

Um deles, o Jardim das Pessegueiras, conta a história de um tradicional festival de bonecas que rola na primavera, época em que as flores das pessegueiras estão totalmente abertas. Mas para a tristeza do menino, sua família decide cortar seu jardim de pessegueiras. O menino sofre. Fica triste demais e num ultimo rompante, decidi seguir uma menina que provavelmente só existiu para as suas retinas. A menina o levou para o jardim das pessegueiras cortadas, onde para sua surpresa, de maneira mágica, as flores cortadas se tornam bonecas, ganham vida, cobram-lhe por sua ineficácia em proteger seu jardim, mas mediante a tanto amor sentido pelo menino, decidem dar a ele a chance de um ultimo olhar para as pessegueiras. Pois bem...

Quando eu penso no que aconteceu na ultima quarta feira, nos campos nossos, imediatamente me vêm à mente esse episodio do filme de Kurosawa...


Na minha cabeça, só reinava o pensamento de revolta contra tudo que vem acontecendo com o futebol brasileiro. Fulminava meus pensamentos com o absurdo dos desmandos que vem acontecendo em Natal, com os coronéis decadentes de lá, estão propondo 429 desapropriações arbitrárias para satisfazer os desejos megalomaníacos da FIFA, pensava na cretinice fundamental e óbvia que rola com os técnicos empolados cagando regras e padrões medrosos para nossos times... Esses caras estão assassinando o futebol brasileiro toda a semana e nada acontece, enfim...

Quando sentei para ver Barcelona x Bayer Leverkusen, mesmo sabendo do quanto o Barcelona é encantador, confesso que não tava muito animado. Mas ae veio ele...

Lionel Messi é um rapazinho argentino de 1,67 de altura e 61 quilos que tinha tudo para não dar em nada no futebol. Menino pobre, saído de uma periferia pobre de Rosário, doente, com uma deficiência hormonal fudida, cujo time da cidade, rosário central, nem quis saber de tratar. Ae com 11 anos, o talentoso menino foi descoberto pelo Barcelona e pode-se dizer sem exagero algum que foi criado por lá na Catalunha. Passou o tempo...

O menino argentino passou então a realizar muito mais que boas partidas de futebol. Messi é épico. Messe é onírico. O pequeno grande homem do Barcelona, tem eu, a Catalunha, os adversários e o mundo todo totalmente embevecidos ao bel prazer de seu santo pé esquerdo. Consegue aliar técnica, força, raça, ludismo, encanto, poesia... Muda de direção em campo, enganando os seus marcadores reles mortais com uma santa empáfia que só os semi deuses podem possuir. Messi muda a direção da bola rumo ao gol adversário e muda também o eixo da obviedade dos cretinos, nos vingando tal e qual Gruchénka vinga os leitores de Irmãos Karamazov... Messi é contra a mesmice...

Com ele, tudo que há de mais imbecil em se tratando de “máximas mínimas” de nossos burocratas técnicos vem abaixo. “No futebol mundial atual, um jogador não faz a diferença”...Messi Faz! “Não da para ter um time totalmente ofensivo por conta do desenho tático dos times de hoje”Mentira! Com Messi, o Barcelona joga sem um brucutu! Sem um volante tosco de punhos fechados. Por lá, Messi ajuda o Barça segurando três jogadores que tentam marca-lo, colabora mantendo a bola com o time e ainda usa sempre 3 jogadores ocupando as posições da frente do ataque. “Ha, mas não tem mais bobo no futebol” Tem sim! Quarta-feira pela Champions League, Messi apresentou os mais novos bobos alemães do Leverkusen...

Foi 7x1 para o Barcelona e o Pequeno Grande Homem do Barcelona, fez só 5 gols. E isso numa eliminatório de Champions League!! Começou a me alegrar a coisa...

Ae la vem a cretinagem:

“Ah, mas o Messi é uma rara exceção! No Brasil nem da pra pensar em algo assim.”

Tá... Ae vem o Santos na Vila Belmiro...

O jogo pela Libertadores parecia mais um daqueles, onde tudo ficaria amarrado, onde rolaria todas as trombadas do mundo no meio campo, mas aí caros leitores, no Santos tem o Neymar...

O menino é um dos que mais devo sorrisos ultimamente. Neymar é pop! Neymar canta pagode na TV, aluga iate de segunda feira a tarde cheio de mulher, corta cabelos estrombólicos, usa la umas calças meio suspeitas do ponto de vista da elegância, Neymar mete gol, o moleque é o cara! Ae a bola não chegava ele decidiu ir la busca-la...

Partindo do seu campo de defesa, Neymar arranca... Carrega com ele os sonhos de todos nós ávidos apaixonados por um esporte que padece a cada dia, vitimado por estetas da pobreza lírica, da ausência de encanto, da falta de paixão... Neymar joga por nós; Dribla zagueiros e há algo de simbólico em cada come que ele da nos caneludos. Cada um desses zagueiros pífios representa uma abilolada tese de futebolês de técnico que não sabe nada de bola. E Neymar vai deixando todas essas teses idiotas pelo caminho... Dribla um, dois, três, quatro... toca por cima do goleiro Muriel e nem fica pra ver se a bola vai entrar ou não. Que se foda. Isso fica por conta dos “estatísticos” dos babacas das metas e resultados.

Neymar já sabia que a poesia tava pronta. E o soneto todo acaba nas redes.

Que lindo!

Fez mais dois o garoto. Mas nem precisava fazer mais nada. Numa quarta-feira onde nada parecia acontecer, quando tudo rezava contra o encanto, Messi à tarde e Neymar à noite, me fizeram entender que eu tenho aqui como cronista a necessidade de lutar para isso não acabar, Que vão sim tentar cortar meus jardins, mas que a gente não pode desistir. Eu não vou e o premio eu tive nesse dia:

Naquela quarta-feira eu vi meu Jardim de Pessegueiras pleno. E não será a ultima vez...

Marcelo Mendez é colaborador do Pastilhas Coloridas, filho da Dona Claudete, escritor e um dos responsáveis pelo cineblog Bandidos do Cine Xangai.
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