Entrevista - Aquiles Ghirelli (Projetonave)

Foto Atila Vilanova / Studiocria
Por Claudio Cox  e Vinicius Alves

O Projetonave está lançando neste mês de março o aguardado DVD comemorativo de 10 anos da banda. A festa será em forma de um show (ingressos esgotados!) no dia 17/03 às 20 horas no teatro do Sesc Santo André. Além de uma apresentação da banda gravada no mesmo teatro há 4 anos atrás, o DVD conta com um documentário contanto toda a trajetória dos rapazes. Coisa fina!

A banda foi formada na segunda metade dos efervescentes anos 90 em Santo André no ABC Paulista, contabiliza dois CDs, um vinil 7”, inúmeros shows e a residência no programa Manos e Minas da TV Cultura. Agora, já se contam 15 anos de carreira – independente, vale lembrar – e por conta disso, tivemos uma conversa com Aquiles Ghirelli (Akilez), vocalista e um dos fundadores da Nave, para reorganizar esse passado e celebrar a atual fase.

P C: Como foi produzir esse documentário? Profissionalmente e emocionalmente?

A G: Creio que esse documentário tem um carácter estritamente emocional, pois ele mexe numa história muito importante da nossa formação, e que contribuiu muito para o que carregamos hoje, apesar das mudanças estéticas, a essência continua a mesma. Esse filme é quase que um álbum de fotografia, de um valor intimista, nada profissional. Contém em sua grande parte, materiais em VHS encontrados em casa depois de anos, negativos fotográficos de Marcello Vitorino e a trilha foi retirada das demo tapes (fita cassete) que fazíamos no Tascam de 4 canais do MarcoPablo. Retrata o lado mais obscuro para as pessoas que tomaram conhecimento da banda agora, trás histórias das formações iniciais e suas contribuições.

Tudo partiu de um encontro meu com o Luiz Américo (editor do documentário). Ele acompanhou de perto a fase inicial e partiu pra Londres permanecendo por um longo tempo, ao voltar uns anos atrás, foi ao show do Projetonave e se espantou com a diferença na sonoridade e a falta de conhecimento do público com a fase inicial da banda, a partir desse principio começamos a trabalhar no material que tínhamos, dai surgiu o mergulho em toda a história e o ganho na percepção em compreender o fio condutor que ligou todos os pontos até aqui. Uma história simples, porém peculiar.

P C: Em 1999 a banda foi vencedora do festival Skol Rock, tiveram contato com uma multinacional numa época em que elas ditavam as cartas no cenário, mas acabaram optando pela independência. De lá pra cá muita coisa aconteceu, lançar um disco não é mais um “bicho papão” e ao contrário de muitas bandas que foram engolidas pelo velho sistema, vocês se mantiveram, apesar das dificuldades, ativos. Hoje, é obvio que foi uma boa escolha, mas na época não era uma questão muito fácil de ser administrada. Você poderia falar um pouco sobre esse momento?

A G: Realmente foi uma escolha dura, pois tivemos que ter perseverança e acreditar mais ainda no nosso caminho e que um dia as coisas se encaixariam. Não foi fácil manter a banda por todo esse tempo, pois o Projetonave nunca foi fonte de sustento para seus integrantes, acredito que essa força que nos une é impagável, evidente que ela provém do amor de cada um ao trabalho, porque não há outro motivo para nos unir por tanto tempo além do respeito um pelo outro.

Aceitar a situação imposta pela gravadora em 1999 teria aniquilado todo um processo de amadurecimento e experiências diversas que tivemos, levaria a coisa para um caminho completamente diferente que fugiria muito da nossa natureza, escolhemos o caminho mais difícil, mas isso nos tornou mais fortes internamente e apesar das coisas terem se alinhado um pouco mais agora e termos um mínimo de recurso para ensaiar, gravar e dar continuidade a nossas crenças, as coisas ainda são mais difíceis, pois dependem muito do nosso suor e resistência para que se concretizem. A banda ainda não é uma fonte integral de renda para nós, mas é muito gratificante e respeitoso fazer parte de um trabalho desses por tanto tempo e ter uma história honesta a contar.

PC: Numa banda com várias cabeças pensantes, como funciona o processo de composição? Depois de tantos anos de estrada, já existe algum tipo de caminho pré-estabelecido (jams, texto primeiro, bases, etc...) ou é tudo ao mesmo tempo agora?

A G: Até hoje não temos um caminho pré-definido e na minha opinião essa é uma qualidade na banda que imprime até uma certa peculiaridade, que é de ter integrantes intelectualmente ativos. Em todo processo coletivo é difícil encontrar um senso comum e como a maioria das composições são frutos desse processo, é necessário sempre confiar nos companheiros e seus variados modos de enxergar as coisas e isso não é fácil, sempre esbarramos nas deficiências humanas. Acredito que o Projetonave encontrou uma forma de lidar com essa questão, que ao meu ver, acaba se tornando algo mais rico para a música e para o crescimento individual, é a idiossincrasia consciente que conquistamos e amadurecemos com o tempo, fruto da proposta desde o inicio da banda, que já era misturar linguagens e conceitos individuais para formar o todo, e isso nunca se perdeu em nós.

P C: Vocês tiveram uma ligação muito forte com o RAP no começo da carreira. Já faz algum tempo que a banda voltou a se envolver, muito disso agora por conta do programa Manos e Minas. Como isso vai ser diluído futuramente no som da banda?

A G: A influência do Rap sempre foi muito forte, por conta do Adal no começo da banda e pelo fato de ser minha primeira escola musical, e que acredito eu, passou a ser dos outros integrantes também após a convivência. Com o tempo a necessidade de conquistar outros territórios musicais se tornou muito grande e nos aventuramos nessa busca e algum motivo muito forte nos trouxe a chance de experimentar tais coisas com o Rap novamente com uma base musical mais sólida da que tínhamos em 1997, mais ampla, e muita vezes até subliminar nas nossas composições. Muito das vozes do Projetonave vem dai, do ritmo e poesia... Só que de uma maneira minimalista, menos letra, repetitiva... quase um Hai Kai.

Eu acredito que tudo isso tem influência em nosso trabalho e esta sendo um aprendizado muito importante estar no programa, acompanhando outras figuras que dificilmente teríamos um contato tão intimo, como: Marku Ribas, Izzy Gordon, Gerson King Combo, Hyldon, Marechal, Dexter, enfim... Uma coisa inesperada no nosso trajeto que esta sendo muito útil, profissionalmente e pessoalmente. Isso pode ser diluído no nosso som nas mais variadas formas, até mesmo inconsciente, vamos saber quando as coisas brotarem das sessões como sempre saíram, sem pré-concepções somadas a peculiaridade da visão de cada um.

P C: Vocês lançaram um compacto 7” com a Flora Matos no ano passado e me parece que virão outros por aí com outros nomes do RAP nacional, parte do projeto “NasBase”. Como foi a receptividade do primeiro e quais serão os próximos?

A G: Olha esse projeto se iniciou no Sarajevo em 2007 quando alguns mc´s começaram a aparecer nas noites de residência do Projetonave na casa e a contribuir de forma espontânea nas sessões de free, a partir disso, tornou-se inevitável registrar tais experiências vindo desses encontros. Daí surgiu o conceito do “NasBase”, que consiste no Projetonave produzir singles com mc´s diferentes e lançá-los em compactos de 7” (vinil) que futuramente tornarão-se um Box de tiragem limitada.

Além do ultimo lançamento com a Flora Matos, que foi muito bem recebido, já está no forno o do Sombra, Rapadura e GOG, na sequência tem com o Emicida, Marechal, Rincon Sapiência, Ogi e mais alguns que estão em fase de produção pelo próprio Projetonave.

PC: A parte visual e gráfica da banda sempre foi bem elaborada, vide parceria de vocês com o pessoal da Base V. Desde o começo isso foi uma preocupação?

A G: Uma preocupação natural, pois somos apreciadores das ilustrações e artes gráficas experimentais geral. A parceria com o coletivo Base_V foi muito espontânea pelo fato de sermos praticamente irmãos e termos os mesmos conceitos perante o papel visual de uma arte, nunca usamos como material promocional da banda e sim como um código, signo anexado as músicas e sempre deixamos muito livre esse processo, interferência zero. O "Nasbase" carrega muito esse conceito, cada capa será assinada por um artista diferente com a mesma liberdade de criação e sem um compromisso em descrever o conteúdo musical de forma narrativa e sim valorizar o lado autoral do artista convidado, uma soma mesmo.

P C: O ano de 2011 foi bastante movimentado pra vocês e tudo indica que 2012 vai pelo mesmo caminho, já podemos dizer que a Nave está pronta para voos mais distantes?

A G: Estamos estudando várias possibilidades e anseios de nossa parte, conversando cada vez mais em expandir nosso alcance (exterior), trabalhando musicas novas para registrá-las em um novo trabalho e testando novas formas com técnicos e produtores diferentes, coisa que nunca fizemos de modo muito claro e nunca tivemos recursos para tal, sempre fizemos por nós mesmos com o que tínhamos em mãos. Acho que isso ampliará nossos horizontes e dará um ganho no contexto geral.

As vontades nunca cessam, são a matéria prima para as raízes se manterem fortes e no atual momento parecem muito sólidas. O caminho é longo e a idéia é escrever na estrada uma história honesta e verdadeira do que somos, sem maquiagem e artifícios. Acredito que esse é o nosso caminho e como progredimos, encarando o trabalho como uma forma de crescimento pessoal, além do mercado e suas exigências, sempre achando outros cenários possíveis dentro do que acreditamos. É no sample de Antônio Abujamra que se encontra a resposta para a energia que empregamos esse tempo todo: “E veja se não compensa”. Estamos trabalhando como sempre, independente das recompensas!!!!

“Quem Tem Q.I. Vai”
Share: