Naquele ano o time de futebol do Nacional do Parque Novo Oratório foi campeão do DEFI (departamento estadual de futebol infantil) em uma partida inesquecível; No campo da Rua Javari contra o Juventus, os moleques do PNO meteram um implacável 6x0 na final, mas dando um baile de bola mesmo. Eu era o camisa 10 daquele time.
Ae veio o presente...
Nunca mais vou esquecer do meu pai chegando em casa com a notícia; “Vou te levar para ver a final do Campeonato Brasileiro no Maracanã” - Cara, entrei em transe! Nem me preocupei muito com o fato do jogo não ser do meu Palmeiras. A final seria entre Flamengo x Santos e ae entra o Carlinhos...
Era amigão do meu pai. Da lembrança que tenho dele nos anos 80, sempre me vem à mente um sujeito cabeludo, todo pinta, usando umas roupas coloridas, All Star no pé, Santista alucinado e dono de um Corcel II, bala! Pretão, banco de couro e tals, toca fita novinho! Carlinhos seria o cara que nos levaria para aquela que até então era minha primeira grande aventura ludopédica; Ir ao Rio De Janeiro para ver uma partida de futebol. Foi lindo...
Lembro de enfiar a cara na janela do carro e da sensação gostosa do ventão na minha cara rasgando a Dutra a caminho do Rio. Um gosto incrível de liberdade e alegria que é algo que sempre lembro quando penso em futebol. No tal toca fita, o Carlinhos ouvia repetidas vezes uma fita do Bob Dylan e jamais esqueci de Subterraneam Homesick Blues no talo, entrando pelos meus poros junto com aquele solzão de domingo lindo, enquanto íamos para o maracanã. Épico!
Na minha cabeça de menino de 13 anos, aquilo tudo me parecia muito grande. O mar de gente em vermelho e preto caminhando para o estádio, os rostos de alegria, de luz, de satisfação de fazer parte daquele momento, daquela página da história do Futebol Brasileiro... Todas essas coisas me davam a exata noção da grandeza a qual eu passava a fazer parte também. Rumamos para onde estava a torcida do Santos. Ohhhh!!! Éramos então 5000 mil santistas me disse o extasiado Carlinhos. Achei incrível! Tinha então uma certa segurança de que não faríamos vergonha enquanto subíamos aquela enorme rampa de concreto que nos levaria em nosso local da arquibancada. E quando chegamos vi que eu e Carlinhos estávamos lindamente enganados...
Em meio às bandeiras do Santos me senti uma formiguinha. Éramos parte de 165 mil pessoas. Veja bem; 165 mil pessoas!!!!! Então nossa missão era torcer contra 160 mil rubro-negros. Até tentamos... Tal e qual um Caruso, um Leslie West, um Barry White, enchi meu peito para com toda força gritar “Peixeee” em solidariedade aos amigos Santistas que tão bem me trataram e que a mim, parecia estarem em tão enorme enrascada. Naquele momento me arrependi profundamente porque acordamos então um gigante inteiro:
As 160 mil vozes, apaixonadas, munidas de um sentimento que só o futebol pode propiciar e nem sempre explicar, mandaram lindamente um MEEEEEEEEEEEEEEEEENNNGOOOOOOOOOOOOOOOO!!! ensurdecedor... Ma fiquei até com vergonha! Na hora da escalação dos time no placar eletrônico eles continuaram; Aplaudiam numero por numero... 5 – Vitor (EEEEEE!!! Vitor, Vitor, Vitor...) 8 – Adilio (EEEEEE Adilio, Adilio, Adilio) 9 – Baltazar (EEEEEEE É Baltazar, É Baltazar...) Ae veio a catarse...
De repente, a massa rubronegra se levantou do concreto do Gigante. Todo mundo de pé, bandeiras tremulando, fogos espocando e o placar eletrônico parado, não punha mais nenhum nome. Apenas o numero 10 apareceu no placar. Ae o 10 piscava e o povão entrava em transe. Então veio, letra por letra; Z-I-C-O.
!!!!!
O Maraca veio abaixo! A massa explodiu num coro lindo... “EI, EI EI O GALINHO É NOSSO REI... ZICOOOOO, ZICOOOOO, ZICOOOOOO” Eu chorei!!!! Cara eu chorei! De emoção, de alegria de tudo! Senti que eu tava certo, pensei. “Porra meu ídolo é um deus! Zico é fodaaaaa!!” Quando veio o jogo, aos 57 segundos o Flamengão meteu 1x0 gol dele e ae, acho que nem o Carlinhos ficou triste em ver que o Flamengo seria inevitalmente campeão como foi. O Jogo acabou 3x0 e eu saí dali convicto de que jamais abandonaria aquele esporte. Se não fosse jogando bola, seria de alguma outra forma, mas jamais deixaria de amar aquele jogo. Nunca mais esqueceria aquele domingo no Maracanã.
Pois bem. Passaram-se 29 anos. Muita coisa mudou...
Inventaram uma tal de globalização, outras nações apareceram, a gente descobriu que os russos não comem criancinhas, que o Tio Sam não é bonzinho, que o Rambo não é invencível e que o futebol não é mais o mesmo. Apareceu junto com as coisas novas do mundo um tal Ricardo, que por décadas se apossou do futebol brasileiro, que fez o que quis, e o que bem entendeu com ele, até quando uma mulher virou presidente do Brasil, e enxotou o sujeito de lá. Mas o sujeito deixou uma herança...
A copa do mundo de futebol, graças ao tal Ricardo será realizada aqui em 2014. Com isso apareceu por aqui a tal da FIFA, cobrando infraestrutura, exigindo passaporte diplomático para cartola futeboleiro e querendo estádios novos. Então veio a vitima maior dessa megalomania toda; O nosso velho Maracanã e uma afamada reforma, que no começo custaria 700 milhões (O que já seria uma exorbitância!) e que hoje, já ultrapassa 1 BILHÃO DE REAIS! É o estupro mais caro do mundo!! Afinal é isso que estão fazendo com o velho Maraca. Enfim... O Futebol passa por um processo de elitização nojento!
Hoje somos o “País da Copa”...
Por conta disso, aceita-se todas as cretinices da FIFA. Por causa disso, não se pega esse 1 Bilhão de Reais para construir um estádio novo e com isso deixar o velho Maraca em paz, la quieto, velho e até desconfortável sim, para quem gosta de futebol de verdade. Não temos a menor participação de nada! A seleção que outrora foi do povo hoje é da CBF e joga em New Jersey; Os melhores jogadores vão para a Europa e nosso campeonato passa em uma emissora de televisão que faz o que quer e bem entende com isso, pensando no esporte apenas como um produto. E ae chego a conclusão que não daria mesmo pro velho Maraca viver no meio disso tudo.
Em um mundo onde a beleza atrapalha, onde o encanto não é necessário, onde a paz é uma “frescura”, onde as pessoas só se permitem através de redes sociais, onde ao invés de um abraço nêgo te manda “um torpedo” via celular, pra que diabo se preocupar com o que um dia regeu o sonho de tanta gente, com algo que tão bem fez a milhões de pessoas? Pois bem...
Quarta-feira, 16 de maior de 2012, 15:35h da tarde:
Nessa data, tive um trabalho para fazer, cobrindo a quantas anda as obras do maracanã para a copa de 2014. Ao entrar vi que a marquise lendária já não existia mais. Que não haverá mais arquibancada de concreto para o povão, para nenhum atual menino de 13 anos ter a chance de sentir o que eu senti em 1983. Me livrei da equipe de trabalho e desci até onde ficava a geral do Maracanã. Será ali um grande espaço de cadeiras nobres e caras. Um filme passou na minha cabeça:
Pensei no Carlinhos, que hoje mora em Curitiba e poucas vezes o vi desde então. Lembrei daquele corcel II bonitão, do som do Dylan, do vento da minha cara. Naquela manhã chuvosa de 2012 ele não soprou. Meu velho pai? Não, Seu Mauro não ta mais aqui conosco, foi descansar desse mundo “novo” em 1997. Respirei fundo e sentia uma lágrima escorrendo pela minha barba ali no meio daquelas obras. Nessa hora, dei as costas e fui-me embora.
Deixei ali meu coração de menino sangrando na geral do velho Maracanã...
Marcelo Mendez é colaborador do Pastilhas Coloridas, filho da Dona Claudete, escritor e um dos responsáveis pelo cineblog Bandidos do Cine Xangai.