Rodrigo Campos e sua Bahia Fantástica

Por Ana Mesquita | 

Mítica, idealizada, assustadoramente poética e bela. É dessa forma que Rodrigo Campos encara e se aproxima da Bahia. Em seu mais novo disco, lançado no inicio de maio, ele começa avisando “Daqui pra lá não vá dizer /Que a Bahia não lhe achou”. Quase uma reafirmação de que sim, isso aqui que vocês vão ouvir agora também é Bahia.

Foto: Fernando Eduardo 
A sonoridade de Bahia Fantástica é diversa de seu disco de estreia “São Mateus não é um lugar tão longe assim”, se com o primeiro disco Rodrigo passou a ser identificado com a nova geração de sambistas paulistas, Bahia Fantástica dá um nó nos rótulos e mostra que a grande influencia de Rodrigo é a música de alma negra. Seja o samba, o afrobeat ou a soul music americana.

A concretização de tudo isso se dá no palco. Quase como o Cinema, que só se concretiza como obra de arte no momento da exibição, pra mim - e isso é uma experiência particular e pessoal - um disco “nasce” no palco, com a experiência de dedicação e prazer do músico que toca e canta, e do público, que aprecia, visualiza e sente o som. Ontem as rememorações de Rodrigo sobre a Bahia puderam ser compartilhadas no Teatro do Sesc Vila Mariana (com ingressos esgotados).

Engraçado perceber que cada um dos músicos que acompanharam Rodrigo na maior parte das músicas passam pela minha história de escrivinhações aqui no Pastilhas Coloridas. Kiko Dinucci na guitarra e Marcelo Cabral no baixo elétrico fazem parte do Passo Torto. O Kiko é quase um habitué do Pastilhas, pois eu já o entrevistei e também já resenhei o Metá Metá, disco que conta com Thiago França, que também tava lá no palco do Sesc, contribuindo lindamente com sax, flauta transversal e EWI. Na bateria Maurício Takara, também entrevistado por mim lá no comecinho de minhas contribuições pra trupe pastilhenta. Mauricio Fleury nunca apareceu em meus textos, mas um de seus projetos já apareceu por aqui, no caso o Bixiga 70 (os caras tocaram no Conexão Africa, realizado no Sesc Santo André, no fim de 2011).

Foto: Fernando Eduardo -  http://www.behance.net/crewactive
Todos são músicos que admiro e curto muito o trabalho, e foi extremamente comovente vê-los juntos no palco. Seguindo a mesma ordem das músicas do disco, Rodrigo abriu com “Cinco Doces”, a música parecia não encaixar, faltava algo ali. Alguns instrumentos (como a guitarra) com volume baixo demais e a sensação de som abafado chegava para a plateia. Sem respirar, Rodrigo emendou “Princesa do Mar” e o som começou a soar melhor, mais uniforme. Daí em diante foi uma pedrada atrás da outra e as participações especiais também foram de peso. Seguindo a mesma ordem do disco, primeiro entrou no palco Criolo cantando “Ribeirão”, a mais bela melodia que ouvi nesse ano. 

Depois Luisa Maita entrou e cantou duas músicas, uma do primeiro disco de Rodrigo e “Morte na Bahia”. Confesso a vocês que não gostei das gravações das garotas no disco. Achei a voz de Luisa fraca, um pouco vazada, sem energia, e a de Juçara Marçal, que canta “Jardim Japão”, eu não curti a cadência. A o vivo foi outra história. Luisa mandou muito bem nas duas músicas que cantou e Juçara, bem Juçara protagonizou a performance mais catártica da noite. O teatro era só voz de Juçara. Não conseguia me mexer quando acabou a música, nem aplaudir, estava estarrecida diante daquela potencia da natureza. O público aplaudiu longamente e de pé. Vasculhando minha memória, não me lembro prontamente de uma ovação dessa tipo, ou seja, no meio da apresentação e para uma cantora que fazia participação especial. Todos foram atingidos, de uma forma ou de outra, por aquela voz.

Foto: Fernando Eduardo -  http://www.behance.net/crewactive
Quando fiquei sabendo do disco, no segundo semestre do ano passado, as notícias que me chegavam eram de que Rodrigo havia ido para a Bahia, se hospedado no quarto de Vinicius de Morais, na Praia de Itapoã, e que havia se “contaminado” por toda aquela atmosfera. Não é surpresa todo o encantamento de Rodrigo com a Bahia, fui pra Salvador pela primeira vez em janeiro desse ano e voltei verdadeiramente outra pessoa. É impossível andar pela cidade sem ouvir um som, é a cidade mais musical que já conheci na vida, o silêncio nem mesmo se faz presente nas praias mais afastadas da cidade. A Bahia de Rodrigo é idealizada, quimérica. Longe do real. Itapoã é hoje em dia um bairro perigoso. Era a única agenda certeira quando cheguei a Salvador: ir para Itapoã. E meu amigo Mário não entendia: o que eu queria fazer lá, a praia não era legal, muito cheia, bairro perigoso. A ladainha de bairro perigoso continuou no busão, quando resolvi ir sozinha pra lá, o cobrador ficou realmente preocupado com o fato de uma garota paulista dar uma banda sozinha por lá.

O fato é que eu precisava ver e sentir as influências de Vinicius de Morais. Precisa saber dessa Bahia dos álbuns clássicos da MPB. Precisava ver o mar de Itapoã e suas barracas de pescadores. E pelo visto Rodrigo também foi guiado por esse instinto, essa Bahia do sonho paulistano, do paulista apaixonado pela Bahia. Os contos e causos musicados por Rodrigo me fazem viajar pra lá. Em “Beco” imagino claramente essa molecada em Itapoã. Em “General Geral” e “Capitão” toda a carga de história do Brasil vem junto no imagético musical, é a Cidade Baixa e o Centro Histórico.

Foto: Fernando Eduardo -  http://www.behance.net/crewactive
A última música do disco “Sou de Salvador” é um afrobeat, pizzicato nas guitarras, sopro e o beat estilo Tony Allen, uma das mais envolventes. Outro aviso na letra “Sou de Salvador / Cheguei na Bahia de manhã”, nos traz a sensação de pertencimento a algo maior, que é na verdade a sonoridade baiana. Basta botar os pés em Salvador que tu já se sente parte de tudo que seus olhos cruzam. No show, todos que participaram do disco subiram ao palco para cantar essa música, inclusive Rômulo Fróes, que produziu o disco com Gustavo Lenza (que estava na mesa de som) e todos os outros músicos da banda. Um trabalho coletivo de alto nível.

Ana Mesquita é colaboradora do Pastilhas Coloridas e jornalista freelancer amante de cinema. Twitter: @anamesquitafoto
Share: