Um lugar para arquiteturas, artes e afins - Preservação e patrimônio

Por Angela Rosh Rodrigues | 

Em linhas gerais, internacionalmente a preocupação com a preservação patrimonial tem início a partir do Renascimento e as discussões teóricas se ampliam na Europa principalmente a partir do século XIX. Aqui no Brasil, a preocupação com nosso patrimônio e com a criação de instrumentos legais de preservação começa aparecer a partir da década de 1920, porém somente foi instituída com a criação do SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), através do Decreto Lei de 1937. O autor do anteprojeto foi Mário de Andrade, mas a redação final ficou por conta do advogado Rodrigo Melo Franco de Andrade.

Naquele momento, o estado de degeneração de muitas edificações foi um ponto crucial que instigou a necessidade de alguma forma de preservação. A partir da década de 1930, algumas personalidades proeminentes do cenário intelectual moderno brasileiro integraram o corpo técnico do SPHAN por décadas, dentre elas, Lúcio Costa. O arquiteto responsável pelo Plano Piloto de Brasília atuou na diretoria da Divisão de Estudos e Tombamentos do SPHAN até 1972. Sua primeira atribuição foi na antiga Missão jesuítica de São Miguel (RS), onde consolidou as ruínas da antiga igreja e criou um museu com fechamento em vidro para acolher peças recolhidas dos outros antigos povoados jesuítas da região (no total são sete povoados).

Ruínas da Igreja de São Miguel (RS) e Museu projetado por Lúcio Costa. Foto: www.archdaily.com.br
Mas como funciona a preservação do patrimônio em nosso país? Aqui, basicamente, o principal instrumento legal de preservação é o “tombamento”, ou seja, a inscrição em uma lista oficial de bens em que se estabelece que determinada obra (edificada ou não) tem um tipo de valor. No âmbito do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, atual nome do SPHAN) que é o órgão de preservação de abrangência nacional há quatro “livros do tombo”: 1. Arqueológico, etnográfico e paisagístico; 2. Histórico; 3. Belas artes; 4. Artes aplicadas. Os bens podem ser tombados em uma ou mais categorias.

Museu do Ipiranga - São Paulo (SP), tombado pelo IPHAN nos livros: Arqueológico, etnográfico e paisagístico;
Histórico e Belas artes. Foto: Autor, 2012
A partir da década de 1960 iniciou-se um processo de delegar aos estados e, posteriormente aos municípios, os respectivos trabalhos de preservação. No Estado de São Paulo, foi criado em 1968 o CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico) e na capital paulista foi criado em 1985 o CONPRESP (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo). Aquilo que é tombado em instância nacional numa cidade é automaticamente englobado pelos órgão estaduais e municipais, mas o inverso não ocorre.

Capela no Morumbi, bem tombado da cidade de São Paulo pelo CONRESP, não é tombado nas instâncias estadual
e nacional. Foto: www.wonkas.com.br
Qualquer pessoa pode solicitar a abertura de um processo de tombamento, basta dar entrada nos trâmites dos respectivos órgãos. A partir dessa solicitação, serão feitas pesquisas históricas, visitas, aferições técnicas, etc. que irão atestar ou não a validade de se tombar um determinado bem. Mesmo enquanto não sai a promulgação final de um eventual tombamento, o bem passa a ter uma proteção legal a partir da abertura do processo de análise, assim qualquer tipo de obra que for incidir sobre essa edificação fica sujeita a uma avaliação pelos órgãos responsáveis.

É necessário ressaltar, que toda a questão da preservação patrimonial gera polêmicas, principalmente por conta da crescente especulação imobiliária que compromete muito daquilo que poderia ser preservado em nossas cidades. Além disso, há a problemática que deriva do próprio tombamento e sua efetiva validade como instrumento de preservação. Em muitos casos, a conta de “quem ganha e de quem perde” com um tombamento não é suficientemente clara, e há contestações sobre o ônus de se manter um bem tombado sendo comuns embates entre população, órgãos de preservação e proprietários.

Cine Belas Artes, protagonista de recentes polêmicas na cidade de São Paulo, teve sua abertura de processo de tombamento encaminhada. Foto: vejasp.abril.com.br
As pessoas que trabalham nesse meio e que conhecem o assunto sabem da amplitude que ele encerra. Mesmo após décadas de discussão e atuação o tema da preservação ainda é pouco divulgado para o público em geral e merece atenção, sem contar que há muitos municípios que ainda não possuem um Conselho e um corpo técnico estruturado que analise os processos. Nosso país pode ter uma história recente se comparado a outros, mas não menos importante ou rica, há monumentos de valor inquestionável, basta apurar a sensibilidade ao valor de nossa história e nos empenhar em querer preservá-la para as gerações futuras. É um equívoco considerar que a “marcha do progresso” exclua a nossa memória, muito pelo contrário, a engloba.

Angela Rosch Rodrigues é arquiteta e urbanista, mestre em História e fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo e colaboradora do Pastilhas Coloridas.
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