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O solo de Canudos, sem chuva desde novembro |
Por Elsa Villon
Pra chegar. Se pelo Rondon eu tive medo de uma hora e meia de avião, em Canudos, o buraco é mais embaixo. Após uma viagem pouco aprazível pelas excelentes (só que ao contrário) rodovias de acesso à Bahia, eis que finalmente chegamos a Canudos.
Foram muitas paradas, horas de viagem e enjôo até o nosso destino. Após três comprimidos de Dramin, um longo período de jejum por conta da ânsia e um remédio para labirintite, finalmente a correspondente das Pastilhas Mais Coloridas do ABC desembarca na terra dos seguidores de Conselheiro.
Por essa razão, a coluna dessa semana segue a estrutura de “Os Sertões” e é caracterizada como “A Luta”. Nossa luta para chegar (inteiros), para conseguir fazer muito com pouco e o pouco com nada.
Estamos em aproximadamente 40 pessoas de quase 10 cursos e os moradores nos adotaram (literalmente) como filhos em suas casas. Divididos em grupos entre dois e oito estudantes, cada um tem a sua “mãe”, anfitriã da casa em que estamos hospedados e também responsáveis por todas as nossas refeições e necessidades básicas.
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Nós, ainda felizes e ansiosos pela ida e com 40 horas de viagem de ônibus a menos em nossos currículos |
E confesso, eu nem gosto de tapioca, mas a que é feita aqui em Canudos Velho agrada até as minhas exigentes e enjoadas papilas gustativas. Café da manhã reforçado, com muito pão caseiro, tapioca, bolo, café e farinha de milho. Quesito cardápio: nota 10.
O primeiro dia de ações foi terça-feira (26 de junho), pois chegamos à cidade na segunda por volta da meia-noite e meia. E qual não foi a emoção ao ver as faixas de boas-vindas erguidas por moradores de todas as idades que nos aguardavam ansiosamente para as atividades.
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Seu Henrique Galdino de Santana, último descendente
direto dos seguidores de Antonio Conselheiro
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Ao entrar em sua casa, construída por ele próprio, percebemos as dificuldades de mobilidade que ele tem. Já sem as vistas e com mobilidade reduzida, Seu Henrique quase não sai de seus pouco mais de cinco metros quadrados construídos com barro e dedicação. Ele já não houve muito bem e a entrevista gravada em vídeo vai demandar um cuidado especial no tratamento do áudio. Mas a chance de conversar com o possível último filho direto dos seguidores de Antonio Conselheiro não poderia ser perdida.
Seguimos para outra casa, da Dona Delmira. Ela nos contou que seu marido sofreu um acidente gravíssimo e machucou o rosto. Por conta da distância para ser atendida, mesmo com a guia, eles acabaram perdendo o prazo para passar com o especialista e ele tem sequelas graves até hoje.
Embora haja muito apoio do Instituto Brasil Solidário, o povo não tem nenhuma base de atendimento médico no vilarejo. O atendimento mais próximo está há 9 km de distância, que muitas vezes é percorrido à pé. O sistema de transporte, com exceção do escolar, também é escasso e se restringe a uma vez, duas no máximo por dia.
Seguimos para o jantar e esperamos pela festa junina anunciada efusivamente. Após um exaustivo dia de trabalho para todos, fomos contemplados com uma quadrilha feita pelos estudantes de Canudos. Infelizmente, por conta da precariedade de equipamentos na área de jornalismo, não foi possível fazer muitos registros fotográficos e de vídeo, mas garanto: foi a quadrilha mais divertida que já vi até hoje. Fim do primeiro dia de luta.
Em conversa com os alunos, soube de alguns casos gravíssimos. Um senhor de idade chegou e queixou-se de um pouco de dor no tórax. Quando foi examinado por uma aluna de fisioterapia, ela contou que havia um tumor enorme e que infelizmente, nossas restrições não permitiam que ele fosse tratado aqui. Outro caso é de um homem que chegou com a perna necrosada. Quando questionado quanto à orientação médica, ele disse que lhe foi passada uma pomada e nada mais.
O segundo consistiu aos estudantes e profissionais de saúde em montar as tendas que formam o circuito de atendimento especializado. Cada paciente faz um cadastro e passa pelas tendas de fisioterapia, nutrição, biomedicina, medicina e odontologia e tem seus dados e materiais coletados para ser diagnosticado em todas as áreas citadas. Após o fichamento, os alunos de medicina direcionam os pacientes à farmácia já com o receituário e lá eles retiram os medicamentos trazidos pelas Universidades.
E é nesse ponto que chegamos a conclusão de que a luta do povo de Canudos não terminou com a guerra, mas sim teve início. E que essa luta agora também é minha e de todos que me acompanham nessa empreitada.
Postando de uma lan house, aguardo novas orientações para enviar os próximos textos. Aguardem e confiem. Na próxima coluna, “A vida” é o tema que nos pautará. Além é claro dos meus queridos estudantes da Espanha e Itália que renderão boas risadas.
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Ao invés de cachorros, cabras ocupam as ruas do distrito |
Elsa Villon é colaboradora do Pastilhas Coloridas, jornalista e fotógrafa viciada em café, cinéfila, adora Beatles e cheiro de pão saindo do forno. Twitter: @elsavillon