Por Xico Sá

O mineiro aqui entra como metonímia, claro, mas deixemos o próprio Edgar com a palavra, de novo: “Mas olha a sutileza, não é bem o mineiro, ou não é só o mineiro. É o homem, o ser humano. Eu, o senhor ou qualquer um, só é solidário no câncer. Compreendeu?”
Sim, a frase do tio Nelson continua atualíssima, mesmo que alguns desalmados, até mesmo parentes próximos, tentem ignorar doenças graves dos seus entes queridos.
Se no capítulo da saúde só há solidariedade no câncer, nas ruas, hoje em dia, o brasileiro só é solidário no momento do cadarço desamarrado.
Tente andar cem metros com os sapatos em desalinho.
Dificilmente conseguirá.
Em um segundo surge alguém, por mais apressado que esteja, e dirá: “Moço, o cadarço...”
Ontem mesmo fiz esse teste, mal consegui mudar o passo. E repare que foi em plena correria da avenida Paulista.
Sim, é perigoso pisar em cima e levar um tombo, mas existem tantas outras coisas mais importantes e ninguém liga, ninguém dá a mínima.
Um amigo, epilético, me conta que já teve crises na rua, aqui em São Paulo, e ninguém o amparou um segundo.
Anestesia geral, meu velho. É como se nada tivesse acontecendo. Devem achar que se trata de mais um golpista. “Do jeito que o mundo anda”, ele mesmo diz, resignado.
Quantas moças choram por quilômetros nas ruas, por amor, óbvio, e ninguém é capaz de ofertar um simples lenço. Ninguém diz sequer “encosta a tua cabecinha no meu ombro e chora”.
Com o cadarço, não. É uma praga. Todo mundo repara e alerta, socorre, alguns até em tom de abuso e autoritarismo.
O que não falta nas ruas das grandes cidades é fiscal de cadarço. Como se um sapato ou tênis desamarrado pusesse também em risco a harmonia de cada um de nós.
Nina, amiga del corazón, me alertou para o tema. Outro dia, reagiu a uma senhorinha que passou um pito por causa do, adivinhe, do cadarço, claro.
O Mário Bortolotto, outro chapa, resolveu esse problema de vez. Agora usa as suas botas sem cadarço mesmo. O tempo inteiro. Se bem que ele tem outra explicação para a mudança, que já tem seguidores: não é nada mole chegar em casa com umas e outras na cabeça, um tanto borracho, e desembaralhar os cadarços. Cansado de tanto dormir em coturnos, achou melhor arrancar os cordões de vez. Laços fora, camaradas.
Quem também não se dava nada bem com os cadarços era o Svevo Bandini, o pai do Arturo, aquele que espera a primavera no mais belo livro do John Fante. Bem, mas ai já é outra parada.
Xico Sá, escritor e jornalista, colunista da Folha, autor de “Chabadabadá – As Aventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha” e mais 10 livros. Na TV, participa do programa “Saia Justa” no canal GNT. E agora é parceiro nosso aqui pelas bandas do Pastilhas. (Texto extraído do blog O carapuceiro)