Pastilhas de um Carapuceiro - De como inventar um final feliz

Por Xico Sá

"Você pode fazer de mim uma mulher
digna de ser amada?" Ilia
Neste veraneio, lembrei muito de Ilia, encanto de moça, musa do mar Mediterrâneo, grega que não gostava das tragédias escritas na sua terra, preferia sempre um outro final para tais histórias. Daí contava o mais triste das desgraças caseiras, como Édipo-Rei, por exemplo, sempre com epílogo de felicidade. Ninguém matava ninguém, muito menos filho e pai, a mãe só entrava no meio e, no “the end”, todos espocavam champanhe no litoral.

Conheci Ilia em “Nunca aos domingos”, filme de 1960, dirigido por um bravo Jules Dassin, homem perseguido nos EUA por causa das suas ideias generosamente comunistas.

Ilia é uma bela e caridosa prostituta. Quando gosta mesmo de um cara, não cobra nada. Em um bar na beira do cais, brinca de transformar o trágico em leveza. Os marinheiros e demais convivas riem abestalhados com tamanha graça da fofa.

Ela ama a vida, desde que nunca ouça o que chama "a voz de domingo", a conversa fiada do homem apaixonado que lhe pede em casamento. Ela quer apenas se divertir. E pronto.

Mas eis que chega Homero, um norte-americano abestalhadíssimo que vai para a Grécia estudar as razões da derrocada do macho helênico. A pretensão é entender porque um povo tão sábio, cujos professores foram Sócrates e Aristóteles, entre outros bambas da filosofia e da arte, está entregue à farra, à esbórnia e à banalidade.

Ele tenta, de todas as maneiras, tirar Ilia daquela vida. Só o conhecimento salva, pensava o besta. A loira (a atriz Melina Mercouri) até que cai um pouco no conto do mala, mas logo se recupera. Apenas um pequeno drama.

Mas o lindo é que continua convicta na sua forma de narrar qualquer história que um dia tenha sido trágica. O final, para a galega, terá sempre que ser feliz e litorâneo. E tudo acaba na beira-mar, diz a gênia, no seu mantra permanente.

E que 2013 seja um ano narrado pela generosa prostituta grega, que até admite as dores do mundo, as inevitáveis nódoas da rotina, mas que a tragédia não vingue nunca com toda a sua ira possível.

Xico Sá, escritor e jornalista, colunista da Folha, autor de “Chabadabadá – As Aventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha” e mais 10 livros. Na TV, participa do programa “Saia Justa” no canal GNT. E agora é parceiro nosso aqui pelas bandas do Pastilhas. (Texto extraído do blog O carapuceiro)
Share: