De Paulo Leminski, para o Palmeiras com amor...

Por Marcelo Mendez

Saí daquela relação com três discos do Humble Pie, um livro do Leminski, uma camisa do Neil Young e o gosto da pele dela na minha boca Basca...

Era uma noite gelada de 1998. Caminhei trôpego, detonado, arrebentado mais por dentro do que um blues, mais Ian Curtis do que Caetano, pela Sampa dura, nada desvairada e triste. Carreguei todas as minhas dores de mágoas e amores para o primeiro bar que me achou pela Pompéia sem classe e entrei. Joguei os discos do lado na mesa, olhei pro balcão, um sujeito me perguntou:

“E ae? Vai beber o que?”

“Cicuta..”

“Isso não tem, velho. Mas tem uns conhaques bons aqui...”

“Que conhaque que você tem ae, que não é bom?”

“Ah... Tem umas garrafas aqui de Macieira que vendo pros nóias e tals...”

“Então me da uma garrafa desse ae, um copo, não me pergunta meu nome e não me trata bem...”

“Ta...”

Fui para a mesa. Dela, vi a tv ligada num jogo de futebol e percebi que uns cachaças tiravam uma onda:

“Po, como pode? O Palmeiras tomou um vareio em casa” - E então vi o placar:

Palmeiras 1x4 Mogi Mirim em pleno Palestra Itália. Inevitávelmente um pensei:

“Perdi minha mulher porque sou um escroto e pra ajudar, meu time toma uma sapatada de 4x1 em casa. Só me resta então encher a cara mesmo...”

E enchi!

Bebi naquela noite, como se não houvesse amanhã. De fato não havia, pelo menos era o que eu pensava. Ae, como quem não tem mais nada pra fazer, abri o livro do Leminski e comecei folhear. Tinha la as marcas dos dedos dela, aquela mania que ela tinha de dobrar as pontinhas das páginas para troca-las, as anotações de pé de página, a dedicatória que fiz a ela, quando lhe dei o livro de presente. O peito apertou. Comecei a ler qualquer coisa e ae, um lance, uma coisa do Poeta me fez parar os olhos:

“Um Homem com uma dor é muito mais elegante...”

“É isso” - Pensei. Nada explica melhor todo esse contexto do que a coisa toda daqueles versos. Tanto pra mim, quanto para o Palmeiras naquele ano e principalmente agora. Oras, caro leitor, pois senão vejamos a situação desse nobre clube que tanto feliz me fez...

Tal e qual o Leminski escreveu, o Palmeiras hoje “Carrega o peso da dor, como se portasse medalhas, uma coroa de um milhão de dólares”... É um time refém de suas próprias grandezas.

Um time que é cobrado não pelo que pode fazer mas, pelo tanto que fez ao longo de seus 99 anos. Um clube que teve Deuses ludopédicos como Chinesinho, Servilio, Oberdan, Tupãzinho. Mazola, Julinho Botelho, Ademir Da Guia, Evair e que, hoje não consegue entender muito bem o que acontece ao ver com a camisa verde, Patrick's, Vinicius, Valdivias, Artur's e afins. Tudo para o Palmeiras nos dias de hoje (Muito mais do que fora em 1998...) é difícil, é hercúleo.

Vencer o Tigre, time meia boca argentino é uma coisa mais dura que encarar a batalha de Termópilas! Ir para Mirassol, para levar de 6x2, passa a ser algo compreensível mas ae que tá; Vos digo:

Tem um charme intrínseco na vida dos doloridos personagens perdedores que norteiam o nosso dia-dia. São seres que, de tão acostumados com a derrota, sentem-se terrivelmente incomodados com a iminência de qualquer arremedo de uma possível vitória. E ae, quando ela vem é épico! A vitória de um perdedor intrínseco faz a A Divina Comédia", de Dante, virar uma chanchada de quinta; a "Ilíada", de Homero, um reles folhetim; Shakespeare não passaria de uma novela das oito. Com o Palmeiras, as coisas tem sido assim.

Tanto contra o Tigre no 2x0 da quarta-feira, quanto no 2x1 em cima da Ponte Preta em Campinas, o que se viu foi uma comovente entrega de um grupo de charmosos derrotados, para tentar mudar um pouco dessa premissa. Eram garotos em busca do gol, com a mesma fúria santa com a qual o menino virgem, busca pelo seu primeiro beijo na boca. Fica impossível não simpatizar com algo assim. Claro...

É um time cheio de problemas. Nada impede que na semana que vem o clube saia derrotado do jogo contra o Libertad no Pacaembu, que tome uma outra traulitada no domingo pelo Paulistão e ae pergunto aos senhores:

E daí?

Tal e qual os ensinamentos do Leminski, o Palmeiras e seus torcedores seguirão em busca de alguma alegria e “Ópios, édens, analgésicos não toquem nessa dor, ela é tudo que me sobra...”

Caro torcedor...

Aconteça o que acontecer, pensa sempre, que nada que é ruim vai pra eternidade. Nenhuma dor de amor será a última e o legal da vida, é tentar fazer como se ela sempre fosse a primeira... Nenhum desespero é para sempre, assim como nem toda alegria pode ser perpetuada. Viver a plenitude de todas as experiências humanas serve tanto para o futebol, quanto para vida. Proponho portanto isso a você amigo Palmeirense:

Ao invés das bombas, o amor. Ao invés da busca insana pela vitória, da cobrança irracional da meta, o barato de curtir o que parece ser um revés e ae fica a lição do Leminski:

“Sofrer, vai ser minha última obra.”

Mas se for, não vai ser tão ruim. Vai por mim...

Marcelo Mendez é colaborador do Pastilhas Coloridas, filho da Dona Claudete, escritor e um dos responsáveis pelo cineblog Bandidos do Cine Xangai.
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