São Paulo x Portuguesa e as memórias do Canindé

Por Felipe Bigliazzi Dominguez

Em tempos de Arenas Fifa e futebol pasteurizado, ir ao Canindé é sempre um prazer inenarrável para que gosta do verdadeiro futebol . 

Ir ao Canindé é uma volta as origens.Uma volta a realidade. Quando penso em Canindé vem a mente a primeira vez que vi Romário in loco. O maior centroavante da história, aos 35 anos, nos deleitava com sua categoria impar, anotando 2 gols fenomenais em uma 5x4 coronário que a Portuguesa aplicou sob o Vasco no Brasileiro de 2001. Que alegria ter presenciado aquela epopéeia futebolística a não mais de 15 metros de distancia do baixinho.

Eu então com 17 anos, caminhava sozinho rumo a estação Armenia com Romário ainda mais imortalizado como o maior homem gol que tivemos. Quando penso em Canindé, lembro da primeira e única briga que participei dentro de um estádio. A Flavia Freire não previa sequer trovoadas de fim de tarde, quando um fenômeno não-climático fez com que cadeiras voassem sob as tribunas do Oswaldo Teixeira Duarte. Que saudades daqueles tempos de espinhas e testosterona a mil. Hoje, em pleno festejos paternais, pude dar uma escapada solitária para reencontrar o Canindé.

Logo na chegava percebi que minhas reminiscências me traíram como ela só. O pouco caso com torcedor continua em voga. Uma família inteira voltava cabisbaixa para dentro do estacionamento do shopping D: "a bilheteria esta fechada. ingresso só com cambista", diz resignada, uma senhora com 70 anos. Por esses absurdos do futebol "moderno", a Policia Militar de São Paulo obrigou a Portuguesa a fechar as bilheterias duas horas e meia antes do inicio do cotejo. Dentro do shopping D tentamos achar uma Lanhouse para poder comprar o ingresso via online. Ledo engano, as bilheterias online também estavam com venda encerrada.

A família inteira teve que voltar ao Tucuruvi, pois não possuíam os 80 reais que pediam os cambistas.Ah, e como tinha cambista. Uma farra se abateu sob a via lateral da Margina Tietê. Uma quantidade de cambistas, que somada, dava quase o dobro da torcida da Lusa. Vendia-se ingressos de arquibancada a 70, 80, 90 reais!!!! - 70 com o cambista mais camarada. Tudo feito as claras, na cara da conivente e zelosa PM paulistana. Após xavecar 15 ou 20 cambistas, consegui, quase implorando de joelhos, um ingresso em troca de uma Onça Pintada.

O Canindé nos recebia sob o som de Raça Negra em sua fase iê iê iê. Para atormentar os visitantes, seguia a todo volume o arsenal lusitano de musica infernal. Agora era a vez do hino da Lusa em versão metal farofa. A torcida tricolor - , que tomava o estádio lotando todo setor designado aos visitantes - já não aguentava mais.Aquilo era pior que a fase do time. Pior que Douglas na lateral direita? quase isso. Para completar o suplicio, um pouco de Tears For Fears - ,ou tias fofinhas para os íntimos - seguido de Roberto Leal e seu vira-vira.

Os times entram em campo e a fase tricolor fica resumida com a reposição de bola de Rogerio Ceni no aquecimento. Boom, a bola estoura a placa de publicidade. Segundo tiro e boom, pimba a gorducha na trave de sustentação de rede. Na Terceira, a redonda vai para a arquibancada. Que fase! na quarta ele acerta na mão do auxiliar de goleiros. Rogério acena para a torcida com os punhos para o alto. O São Paulo vem a campo cheio de novidades. Paulo Autuori decide manter o 4-2-3-1 com Rodrigo Caio improvisado na zaga e o garoto Lucas Evangelista como ponta-esquerda. 

A Portuguesa é melhor no inicio de jogo, graças ao plano tático de Guto Ferreira, que postou a Lusa no 4-1-4-1, sufocando a saída de bola tricolor, fazendo com Wellignton e Fabricio rifassem a bola constantemente. Diogo era o nome do jogo, aberto pela direita passava com facilidade pela marcação de Reinaldo, ao passo que Luis Ricardo subia constantemente sem o acompanhamento de Lucas Evangelista. Se não fosse Rogério Ceni, a Lusa já poderia ter aberto o placar nos primeiros minutos, sempre em tiros de media distancia. 

O Tricolor vivia descompacto em campo, com as linhas distantes e um Jadson inoperante sob a marcação de William Arão. A única jogada de perigo veio em um contra-ataque puxado por Aloísio que venceu a marcação de Rogério pelo lado direito, mas Luis Fabiano em péssima fase, bateu de tornozelo. No final do primeiro tempo, quando o domínio lusitano era menos latente, veio o gol do time do Canindé em jogada de bola parada - um dos grandes vilões do São Paulo nesta temporada. 

No segundo tempo o São Paulo voltou com outra postura e com as linhas adiantadas; graças ao o incentivo da torcida que fazia grande barulho no Canindé. O garoto Lucas Evangelista, que até então fazia péssima partida, aplicou um lindo chapéu em Luis Ricardo, passou pelo zagueiro e colocou no cantinho direito de Lauro: 1x1. Dai em diante o tricolor foi todo ataque. Aloísio começou a infernizar a marcação de Rogério. Ali, aberto pelo direita, Aloísio conseguiu sofrer um pênalti claríssimo. Ceni se apresentou para cobrança. Com sua tranquilidade habitual, ajeitou a bola, pensou no canto em que ia bater, mas Lauro defendeu. Que fase! O boneco Voodoo de Ney Franco seguia fazendo efeito. Paulo Autuori resolveu mexer no time: Ganso e Osvaldo nos lugares de Jadson e Fabrício. 

O São Paulo seguia no 4-2-3-1 com Lucas Evangelista atuando como volante ao lado de Wellignton, ao passo que Osvaldo seguia pela ponta esquerda com Ganso como armador. Guto Ferreira também mexeu na Lusa, colocando Correa no lugar de William Arão, assim Bruno Henrique foi recuado para primeiro volante e Correa foi atuar como meia direita. Aos poucos a Lusa foi quebrando o forte ritmo do São Paulo. Guto Ferreira ainda trocaria o centroavante Gilberto pelo jovem Bruno Moraes. A Lusa cresceu novamente na partida, sempre com Diogo infernizando Reinaldo. 

Eis que, quando o jogo caminhava para um empate, veio o bate e rebate, Lucas Evangelista rebateu como não se deve - para o meio da área - e Diogo anotou o segundo gol da Lusa. O São Paulo ainda teria uma chance de empatar. Ganso cobrou a falta, a bola cruzou toda a pequena área. Sim, a redonda entraria no gol não fosse "la mano de dios lusitana" de Aloísio Boi Bandido. Gol anulado e outra derrota consumada. O Martírio tricolor não tem fim. A pequena e barulhenta torcida da Lusa seguia gozando a maioria tricolor. Esta que deixava o Canindé incrédula com a fase jamais vista na historia do São Paulo. Na Marginal Tiete seguiam-se as gozações. 

Risadinha canalha dos policiais e os caminhoneiros corintianos que passavam buzinando com sorriso de Monalisa. Uma lata de cerveja voa sob o vidro, corre-corre, impotência, desespero. Quinta-feira tem mais sofrimento. O Atlético Paranaense esfrega as mãos...3 pontos garantidos?

Que fase...


Felipe Bigliazzi Dominguez é colaborador do Pastilhas Coloridas e responsável pelo blog Ferrolho Italiano
Share: