Reminiscências do Superclássico Argentino


Por Felipe Bigliazzi Dominguez | Futebol | 

O domingo nos reservava uma nova versão do Superclássico argentino. Apesar da falta do bom e velho toco y me voy - em franca decadência na era Fútbol Para Todos - um River x Boca sempre nos traz reminiscências dessa rivalidade atroz, que mexe com o nosso imaginário adolescente. Todo futeboleiro de alma tem um Boca x River inesquecível.

O Superclássico argentino se tornou um símbolo da chegada da tv a cabo. Para o nosso deleite, em meados dos anos 90, a Espn Brasil decidiu transmitir o Campeonato Argentino. Sempre aos domingos, o jogo principal da rodada era transmitido, ora ao vivo, ora em vt, sempre com os comentários sagazes do mestre Roberto Petri. Antes, víamos Boca x River somente em singelos compactos, ou as vezes nem isso. O primeiro jogo completo que nos vem a mente valia pela décima primeira rodada do Torneio Apertura de 1999.

O Boca de Carlos Bianchi buscava o tricampeonato nacional, já com o time base que faria historia dali a um ano, vencendo a Libertadores em pleno Morumbi contra o Palmeiras, além do título mundial de 2000, batendo o Real Madrid com uma exibição de gala da dupla Riquelme e Palermo. O River, comandado por Ramon Diaz, não ficava atrás, encantando os amantes do bom futebol com jogadores revelados aos montes pela inesgotável categoria de base do clube de Nuñez.

Por essas e outras, aquele seria um partidaço, com todos os condimentos característicos de um River x Boca; a começar pela festa na arquibancada com aquela chuva de papeis picados, sinalizadores abundantes e um grito enlouquecido de um Monumental de Nuñez repleto de paixão.

Pablo Aimar, que em 97 havia conduzido - junto a Riquelme - a Argentina a mais um titulo da categoria sub 20, abriu o marcador com um golaço antológico, encobrindo Oscar Córdoba, que nada pode fazer diante de semelhante talento. No segundo tempo, após arrancada de Saviola, o centroavante colombiano, Juan Pablo Angel, definiu a vitória millonaria com outro golaço de fora da área. O River seria campeão daquele Apertura 1999, ratificando uma rivalidade entre Bianchi e Ramon Diaz, que marcaria o final da década de 90 e o começo da década seguinte.

Neste domingo, 14 anos depois, Ramon Diaz e Carlos Bianchi voltavam a se enfrentar. As escassas estrelas dentro de campo e a distancia considerável de ambos em relação ao líder Newell's Old Boys, davam ainda mais destaque ao duelo entre os professores. Contudo, um River x Boca é um campeonato a parte. Não importa o passado, não importa o presente, não importa a posição na tabela.

O River recebia o Boca no Monumental com todo seu ímpeto. Triste foi perceber que a chatice que domina o nosso futebol, chegou também ao país vizinho, já que a torcida xeneise foi proibida pela policia portenha de ir ao Monumental, graças a falta de competência do estado em acabar com a eterna e sangrenta guerra interna pelo domínio de La 12 - a temida barrabrava do Boca Juniors.

O jogo começou a todo vapor, com os dois times postados no 4-1-3-2. O River começou melhor. Foram 15 minutos de amplio domínio, com Lanzini armando o time com maestria. O Boca esperava em contra-ataques, no velho estilo copeiro de seu treinador. Riquelme seguia controlado por seu amigo Ledesma, ao passo que Fernando Gago, seu sócio no meio campo, seguia desconectado do jogo sob a guarda implacável de Ariel Rojas.

Apesar do controle do jogo, o River não conseguia penetrar na improvisada linha defensiva do Boca, formada por Jesus Mendez, Cata Diaz, Chique Perez e Nahuel Zarate. Eis que, na única jogada articulada de pé em pé em todo o jogo, o Boca encontraria o seu gol. Riquelme, que atuara no sacrifício em função do que representa vencer o eterno rival, foi arquitetando a jogada com maestria, abrindo a jogada para a ponta direita com sua perna menos hábil; Juan Manuel Martinez, com toda a sua habilidade, cortou a marcação de Vangioni, encontrando o bico da chuteira de Gigliotti em meio a marcação de Jonathan Maidana. Silêncio em Nuñez.

Com a vantagem no placar, o Boca se fechou ainda mais. O River criava pouco, a única fonte criativa vinha dos pés de Teófilo Gutierrez, que atuava fora de sua posição habitual, cada vez mais longe do gol no novo esquema de Ramon Diaz.

Para o segundo tempo, o River voltou ainda com mais ímpeto, sempre explorando o setor direito, com Carbonero custodiado por Zarate, enquanto Sanchez Miño evitava a subida de Ponzio - que entrara no intervalo improvisado como lateral direito. Carlos Bianchi decidiu apostar ainda mais na retranca, fechando o meio-campo com a entrada de Escalante no lugar de Riquelme.

O jovem volante ficou na posição de volante pela direita, enquanto Gago foi adiantado para tentar articular o time em busca de um contra-ataque puxado por Juan Manuel Martinez ou Sanchez Miño. Ramon Diaz tambem mexeu no River. Foram trocas de nomes, mas não de esquema e postura tática. Saíram Ariel Rojas e Andrada, para as entradas de Ferreyra e Mora. Bianchi cozinhou o River, que não conseguia furar a retranca boquense, apelando para ligações diretas e cruzamentos fortuitos que consagravam a dupla de zaga formada por Cata Diaz e Chique Perez.

No final, no abafa, Teófilo Gutierrez quase empatou o jogo, em uma cabeçada a queima roupa, defendida por Orion aos 48 do segundo tempo. Como se tivesse ganho um titulo, os jogadores do Boca pulavam no centro do campo, como verdadeiros torcedores, entonando os cânticos contra o River, em uma cena emocionante que simboliza essa rivalidade superclássica.

Isto é River x Boca: "Las gallinas son asi. Son las amargas de la Argentina. Cuando no salen campeón, esas tribunas estan vacias ..."

Esquema tático do primeiro tempo
Esquema tático do segundo tempo

Felipe Bigliazzi Dominguez é colaborador do Pastilhas Coloridas e responsável pelo blog Ferrolho Italiano

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