Pastilhas de um Carapuceiro - Do amor ilhado de amor, ou conta outro velho Jim Jarmusch

Por Xico Sá 

"Estávamos em paraty, lembra, meu amor?". E uma vez cumprida a obrigação lítero-guntenberguiana-boêmia-picareta-cachacística da Flip, buscamos um barco para fugir, de ressaca, para uma ilha, quando o moço triste nos arrastou mar-adentro, tão lentos o motor e o rapaz, seguimos nada esperávamos a não ser trocar umas palavras novas como são os vocábulos inaugurais do amor sobre as águas repisadas pelos moços dos sertões e pelas mais lindas mineiras.

O moço triste nos contou tb uma história de amor sem sentido, como a nossa.

Passamos pelas ilhas dos milionários idiotas e eu gastei uns impropérios liricamente comunistas...

Passamos por um navio que lembrava uma favela romântica ou um navio igualmente milionário lindamente saqueado por piratas profissas.

Sim, amor, era Paraty, seguimos e o moço com cara de filme de Jim Jarmusch nos ancourou em um quintal de família. Parou o barco e achava que estávamos no paraíso. Nada havia lá de tão bom assim que já não esperássemos nos nossos coraçõezinhos superbonders & aralditosamente colados. Até as crianças eram chatas e não bebiam sangria como los niños de Espana. Nada para vender ou comprar, baby, nada mesmo, só uma areinha de nada, cinco metros se muito, e uma família triste, tão triste que nem havia um gordo feliz e sequer um radinho deixado por R. Crusoé ao pé de uma bananeira artificial.

O moço do barco dormiu (no barco) e silenciosamente lesou de boa na proa. Eu estava tão feliz que nem notei nada disso. Se não fosse a companhia de uma linda mulher sequer havia notado que segue a vida e muito menos que vida ali havia. Só a beleza cutuca um homem de modo a acordá-lo para Jesus. Levanta-te e anda!

Paramos depois numa ilha-bar, povo já indo embora, mas sol pedindo saideira e vocábulos de corações lesados.

Nem mais lembro o que meu amorzinho falava àquela altura.

O moço do barco contava uma história parecida. Lentamente dizia que nada lhe faltava quando inventava histórias de amor como essa. Mostrou a luz da sua mulherzinha ao longe como quem mostra o farol da existência na mão trocada, afinal de contas é o faroleiro quem deve mostrar o rumo das coisas ao barqueiro.

Sua mulherzinha bem longe, ele rezava a reza de quem vai chegar em casa e pegá-la de jeito. O moço falava uma língua meio jamurschiana mesmo, assim perdido no paraíso. Minha mulher ao cair da noite foi ficando cada vez mais incrível, o moço chegou, pegou seu dinheiro e foi para casa. Até adonde deu na vista, feliz.

Xico Sá, escritor e jornalista, colunista da Folha, autor de “Chabadabadá – As Aventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha” e mais 10 livros. Na TV, participa do programa “Saia Justa” no canal GNT. E agora é parceiro nosso aqui pelas bandas do Pastilhas. (Texto extraído do blog O carapuceiro)
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