Teatro - Medeia somos todas nós


Por Tatit Brandão

"Sem palavras", foi primeira coisa que ouvi após alguns minutos de silêncio e introspecção depois que Medeia desaparece fazendo a curva da rua do Teatro VentoForte, anunciando aos espectadores o fim da peça.

Se trata de Medeia Vozes, nova montagem do grupo gaúcho "Ói Nóis Aqui Travêiz", que estreou ontem, na terra da garoa, comemorando seus 35 anos de trajetória teatral.

Baseada no livro escrito em 1996 pela alemã Christa Wolf, a peça é uma versão feminista da tragédia grega de Eurípides. Aqui é apresentada uma Medeia inocente, vítima da construção historicamente doente de uma sociedade machista e patriarcal. E como se fosse um labirinto de espelhos, ao longo do espetáculo aparecem outras mulheres de diversas partes do mundo com seus emocionantes relatos de mutilação da condição de ser mulher, em suas realidades pautadas na sombra das várias formas de violência, seja aqui na América Latina, na Índia ou na África. O espetáculo, que ocupa todos os espaços, internos e externos, do Teatro VentoForte é quase uma denúncia. É quase um pedido urgente de atenção do nosso olhar anestesiado para o feminino.

A interpretação dos atores é excelente. Destaque para Tânia Farias, que nos serve um leque de muitas cores de Medeia - a que é poética, a que desafia, a que luta e a que, por fim, é exilada, criando um atalho de identificação e proximidade em toda mulher. E é a partir dela que nos são apresentados o amor e a negação de Jasão (Eugênio Barboza) e o desespero e a insegurança de Glauce (Marta Haas). Se nos distraírmos é possível achar que a peça conta com um elenco de 50 atores em cena e 100 músicos fazendo a trilha sonora ao vivo, ainda que eles estejam em 3 pessoas cantando e tocando algum instrumento na nossa frente. O volume e a qualidade musical é um dos elementos que mais impressionam. As variadas sonoridades em outros idiomas, deixa exposto o fato do trabalho ser resultado de uma pesquisa muito intensa e séria no que se refere a musicalidade do espetáculo.

E a delicadeza se estende. E se revela desde as complexas e grandes construções cênicas até os detalhes de bordados e transparências do figurino. Tudo é muito impregnado de simbologia da figura da mulher. As maçãs, as árvores. O ritual feminino onde se reparte não só o pão e frutas secas, mas também experiência, cumplicidade e força, no qual vamos sendo tão intensamente envolvidos, mesmo sem querer. As sensações de cheiros, vozes e músicas aos quais o público é submetido e que vão surgindo de onde nem sabemos ao certo, são elementos que preenchem completamente a peça, não deixando nem uma fresta aberta de espaço vazio, e fazem as 3h de duração parecerem nada. A peça acaba na rua e embora saibamos que ali chegou a hora de ir embora a vontade é de percorrer mais um pouquinho todo o itinerário de encantamento. Este espetáculo é isso: puro encantamento, celebração da vida, no passado e no presente.

Medeia Vozes pode ser vista em poucas datas em São Paulo. E a minha vontade é de que eu pudesse terminar este texto informando também que os horrores que sofre a alma feminina - assim também como o corpo - tivesse igualmente uma curtíssima temporada.

Serviço:
 Medeia Vozes, da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Travêiz
Onde: Teatro VentoForte - Rua Brigadeiro Haroldo Veloso, 150 - Itaim Bibi
Quando: Até dia 13 e de 15 a 20 de outubro/2013 às 20h
Quanto: Grátis, é necessário chegar com 30 minutos de antecedência para garantir o ingresso

Mais informações: http://tribodeatuadoresoinoisaquitraveiz.blogspot.com.br

Tatit Brandão é jornalista, fotógrafa, filha de Iansã, mãe da Nara, e é também ex e futura atriz www.flickr.com/tatitbrandao
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